‘A cárie nunca vai ser eliminada’, diz cirurgião dentista sobre a doença

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Com inúmeras funções essenciais para a nossa sobrevivência, a boca é conectora de dois sistemas: o respiratório e o digestório. Os dentes permitem a mastigação dos alimentos, o combustível para a vida, que serão deglutidos com a ajuda da língua. No entanto, muitas vezes subestimamos os cuidados que devemos ter para manter a saúde de ambos – e eles são simples.

Para Matheus Camperlingo, dentista e cirurgião bucomaxilofacial que atende nos hospitais Albert Einstein, São Luiz e Regional de Cotia, em São Paulo, ainda que a odontologia esteja cada dia mais avançada com procedimentos de última geração, são as medidas básicas que temos em casa que garantem dentes saudáveis.

Em entrevista ao GLOBO, Camperlingo derruba mitos sobre os cuidados domésticos, fala do papel do desenvolvimento de novas tecnologias, além de abordar o crescimento dos procedimentos estéticos feitos no consultório odontológico.

Por que até hoje a cárie não foi eliminada e ainda é um problema de saúde?

Hoje as crianças têm menos cáries. Isso acontece graças aos hábitos de vida, que melhoraram em relação a essa questão. Os pais têm mais consciência do que faz mal. Os novos casos têm ocorrido em maior quantidade em idosos.

Isso se dá não somente por maus costumes, mas também pela falta de nutrientes e minerais devido à má alimentação, o que facilita o surgimento da cárie. A mulher na pós-menopausa também tende a ter mais cárie. Isso acontece pelo déficit hormonal de estrogênio e progesterona que ocorre nessa fase da vida, o que impacta na saúde bucal, incluindo o aumento de cáries.

Mas infelizmente as evidências científicas não apontam para o desaparecimento da cárie e ela nunca vai ser eliminada porque é um problema de saúde pública. Sempre haverá o fator humano, ou de pessoas sem acesso a informações e cuidados ou de pessoas que subestimam o autocuidado.

Qual é a melhor pasta de dente? Existem algumas melhores do que outras ou isso é mito?

Não recomendo pastas com flúor adicionado. Isso pode levar a um quadro de fluorose, que deixa os dentes manchados por causa da alteração do esmalte dentário.

O flúor não é bom para os dentes?

Ainda existe uma propaganda enorme sobre o flúor, mas não é bem assim, ele tem perdido a força entre os dentistas. Novos estudos comprovam que ele não é tão benéfico.

Anos atrás, o Sistema Único de Saúde, o SUS, se baseou em pesquisas que mostravam os benefícios para a proteção da parte dentária contra cáries. Isso resultou em uma série de medidas, inclusive, no fato da água hoje ser fluoretada na maior parte das capitais. Com isso, há o risco do uso em excesso se também for aplicado nos consultórios.

Há ainda mais uma razão, ele ser derivado do petróleo. E a exposição a longo prazo pode trazer consequências, quais são elas exatamente ainda não sabemos. Mas existe o risco de serem negativas.

Qual é a forma correta de escovar os dentes, afinal?

Antes de tudo, use uma boa escova. Ela tem de ser com cerdas macias. As duras acabam agredindo muito a região da gengiva. A escovação precisa ser feita de maneira suave e circular ao redor do dente. Sem empregar muita força, como a maioria das pessoas fazem. E o ideal é escovar pelo menos três vezes ao dia, sempre após as refeições.

O uso do fio dental é muito importante. Ele é bastante negligenciado, mas consegue prevenir muitos problemas da saúde bucal. O recomendado é usá-lo de uma a duas vezes por dia, sendo que uma delas preferencialmente antes de dormir e depois de escovar os dentes. É o período que passamos mais tempo sem nos alimentarmos e com a boca fechada, o que facilita a ação de microrganismos nos dentes.

A maneira correta de usar é bastante simples: pegar o fio, enrolar nos dois dedos e passar em todos os espaços entre os dentes. Esse processo pode ser feito duas vezes em cada espaço, de forma bem suave.

Os enxaguantes bucais são bons para os dentes?

Os enxaguantes bucais possuem uma substância chamada gluconato de clorexidina, que nada mais é que um antisséptico, ela vai eliminar as bactérias da nossa cavidade oral. Porém, o lado ruim é que mata tanto as ruins quanto as boas, que estão ali para trabalhar ao nosso favor.

Sempre peço para fazer um bochecho no máximo uma vez por semana, para acabar não atrapalhando a microbiota da boca. Uma coisa mais importante do que os enxaguantes é a escovação lingual. Geralmente as pessoas esquecem disso. A língua acumula um depósito de bactérias. É importante ter em casa um raspador de língua de cobre ou até mesmo fazer essa limpeza com a própria escova de dente.

Qual é o maior vilão dos dentes na alimentação? E quais são os alimentos que ajudam na saúde dentária?

Os piores alimentos são os açucarados. Já os melhores são os mesmos que favorecem o corpo de maneira geral: alimentos ricos em fibras, vitaminas e minerais. Em especial os cítricos, ricos em vitamina C, porque ajudam a equilibrar o pH da boca e isso evita o surgimento de problemas, como as cáries.

Têm crescido o número de pessoas que fazem procedimentos estéticos em consultórios odontológicos. Ainda existe resistência dos médicos?

Tem crescido muito. Vejo isso claramente no consultório e meu exemplo é um clássico. Sou cirurgião bucomaxilofacial e hoje em dia as cirurgias que faço têm sido mais voltadas para a área estética. É o que se chama de cirurgias cosméticas da face. A maior procura no ambiente de consultório é pelo lifting facial, botox, preenchimentos e lipoaspiração de papada.

Não há uma pesquisa consolidada sobre quem mais recorre, mas posso falar da experiência no meu consultório: a maioria homens. E mais um dado que pode surpreender, grande parte está na faixa etária dos 20 aos 30 anos.

Sim, ainda existe preconceito da classe médica em relação a dentistas realizarem esses procedimentos. Mas há algo apontado pelos médicos que realmente é um problema que é a má qualificação dos profissionais de odontologia.

Quem está mais habilitado a fazer cirurgias estéticas de face é o cirurgião bucomaxilofacial, que está acostumado a fazer cirurgias. A formação do cirurgião bucomaxilofacial inclui um conhecimento da anatomia da face muito mais avançado do que um dentista que às vezes faz um curso sobre o assunto em um fim de semana.

Como tem sido a contribuição da IA no consultório odontológico?

Ela tem sido aplicada principalmente na parte cirúrgica e de forma extraordinária. Os softwares com inteligência artificial facilitam muito o planejamento para qualquer tipo de cirurgia na parte da face. Fazemos a tomografia do paciente e a IA nos ajuda a identificar quais modificações serão realizadas na operação. O sistema indica como reposicionar uma mandíbula, por exemplo, que é algo complexo. Há programas que detalham a cirurgia, os passos principais que o dentista deverá tomar. Mas ainda está longe de confiarmos 100% na IA e não sei se um dia isso irá acontecer.

Como deverá ser uma sala odontológica daqui duas décadas?

Consigo imaginar o profissional daqui a 20 anos precisando fazer muito pouco no sentido braçal. Acho que a sala de cirurgia vai estar completamente robotizada, com comandos de voz vindos do cirurgião. Estaremos ali para controlar o que está acontecendo, mas quem vai botar a mão na massa é o robô. Mas também desejo que isso tudo possa ser algo humanizado, porque é muito importante o contato com o paciente. As emoções humanas são muito importantes no centro cirúrgico. Não podemos abrir mão totalmente disso.

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