A uma semana do segundo turno, André Fernandes (PL), candidato a prefeito de Fortaleza, pediu ao Ministério Público Eleitoral do Ceará e à Polícia Federal a abertura de um inquérito contra seu adversário, Evandro Leitão (PT), e outras três pessoas. A alegação é que a campanha do petista teria disseminado “conteúdo sabidamente falso e alterado mediante emprego ardiloso de inteligência artificial”.
A representação se refere a um áudio que circulou no último final de semana em grupos e páginas favoráveis a Leitão. Nele, uma voz semelhante à de Fernandes sugere a compra de votos para garantir a vitória nas eleições. “Daqui pra domingo é derramar dinheiro na mão de pastor, líder comunitário, o que tiver”, diz a gravação, que o candidato do PL alega ser uma deepfake.
Leitão negou envolvimento com a disseminação do conteúdo e devolveu as acusações. “Minha campanha é limpa, André. Eu tenho as mãos limpas”, disse, em vídeo publicado nas redes.
Origem
A defesa de Fernandes apresentou duas evidências para sustentar a responsabilidade de Leitão sobre a produção do suposto áudio falso:
- o conteúdo teria sido publicado pela primeira vez em um grupo administrado pela campanha do candidato do PT – o Zap de Evandro #4, registrado junto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral);
- o áudio foi compartilhado no Instagram por um filiado ao PT da cidade de Eusébio (CE).
Aos Fatos constatou, no entanto, que esses não foram os primeiros registros da peça nas redes.
- Uma imagem anexada à denúncia mostra que o áudio foi encaminhado ao grupo do candidato — e não postado originalmente lá — por um número que não está relacionado à candidatura;
- O post compartilhado no Instagram pelo filiado ao PT contém marca d’água de outro usuário de TikTok, também apócrifo, o que indica que o conteúdo foi postado lá antes. Essa versão, no entanto, já não está mais disponível.
Artificial ou não
Também não foram apresentadas provas substanciais que atestem que o áudio foi fabricado por inteligência artificial.
- O único indício exposto pela denúncia foi o compartilhamento do conteúdo por um cientista de dados no Instagram. “trata-se de alguém não apenas capaz de identificar uma deepfake, como também de, eventualmente, até mesmo criá-la”, diz a representação;
- Não foram apresentadas perícias sobre o áudio.
Provar que um conteúdo foi ou não feito por inteligência artificial tem sido um desafio para diferentes candidaturas nestas eleições. Em Palmas, uma decisão da Justiça contra uma suposta deepfake chegou a ser derrubada após diferentes perícias apontarem conclusões distintas, como mostrou reportagem do Aos Fatos.
Esta também não é a primeira vez que Fernandes acusa o adversário de usar inteligência artificial na campanha. Na semana passada, o diretório do PL pediu a exclusão de um post de Leitão no TikTok que continha deepfakes de celebridades. Embora tivesse tom humorístico, a publicação foi removida por não conter aviso de que se tratava de conteúdo gerado artificialmente, como manda a resolução do TSE.
Leitão também foi alvo de conteúdos manipulados durante a campanha. Durante o primeiro turno, um trecho de uma reportagem do Domingo Espetacular, da Record, foi editado com inteligência artificial para fazer uma falsa associação do candidato e de seu partido com facções criminosas. O conteúdo apócrifo também foi derrubado pela Justiça Eleitoral.
O caminho da apuração
Aos Fatos teve acesso ao material enviado por André Fernandes ao MPE-CE e à Polícia Federal pedindo a investigação de Evandro Leitão pelo suposto uso de inteligência artificial. Analisamos o conteúdo e, por meio de busca reversa, verificamos que os posts indicados não eram os primeiros registros do áudio. Também procuramos pela circulação da gravação em outras redes.
Por último, recuperamos outros casos de denúncias sobre conteúdos supostamente criados por IA na campanha para a Prefeitura de Fortaleza e de outras capitais.