O uso de inteligência artificial (IA) nas profissões jurídicas já é uma realidade. Professores, advogados, juízes usam as ferramentas existentes para pesquisar, traduzir, resumir, analisar documentos, fazer apresentações, redigir. Não se sabe exatamente até onde isso vai, mas está claro que vai longe. Será apenas uma mudança de forma ou uma mudança no próprio conteúdo do Direito? Veremos.
Uns dizem que a IA será o melhor estagiário do mundo, outros acreditam que o próprio sentido de justiça não será mais o mesmo. A realidade possivelmente estará no meio do caminho.
Enquanto aguardamos o futuro, fiz um pequeno teste com a IA (especificamente com a Meta AI) e submeti esse teste aos meus alunos na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Formulei três questões e pedi as respostas à IA. Depois, apresentei aos alunos as perguntas e as respostas, para que eles apontassem o que estava certo e o que estava errado nas respostas da inteligência artificial.
A performance da IA foi decepcionante. Na primeira e na segunda perguntas as respostas estavam muito erradas. Na terceira, parcialmente errada.
A primeira pergunta era objetiva e seria respondida com a indicação da norma aplicável. Porém, a IA inventou uma regra inexistente, fazendo referência a um “regulamento” que não tinha a redação que serviu de fundamento para a resposta errada.
A segunda questão era um pouco mais difícil, pois a IA precisaria avaliar se a conduta descrita representaria ou não uma violação à regra existente. A IA não entendeu a norma e concluiu que seria muito bom dois concorrentes coordenarem sua atuação antes de uma operação ser aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Para se ter uma ideia, se as empresas seguissem a orientação da IA, estariam sujeitas a uma multa de até R$ 60 milhões!
Na terceira questão a IA acertou. Reconheceu que um cartel é ilegal. Fez apenas um pequeno erro na fixação da penalidade.
Já os alunos foram bem. Identificaram o erro da primeira resposta, avaliaram que o comportamento sugerido pela IA na segunda resposta seria ilícito e notaram o pequeno erro na terceira resposta.
A primeira lição que tiramos desse teste é que o uso da IA requer cuidado. É fato que os alunos identificaram os erros. Mas a prova os estimulava a fazer uma verificação que nem sempre é feita no dia a dia. E as ferramentas de IA , por vezes, alucinam.
A segunda é que, ao menos por ora, a IA teve dificuldade em aplicar a norma abstrata a fatos concretos. Uma norma não se completa com as palavras do legislador. Ela depende de interpretação, da mediação entre o caráter geral do texto e sua aplicação a um caso específico. A IA não soube fazer isso.
A terceira é que a pressa passa, o erro fica. A IA apresentou suas respostas em segundos, e os alunos levaram uma hora para responder às questões. Mas ela errou, e eles acertaram.
Nesse teste, a maior parte dos alunos foi aprovada e a IA se deu mal. Vamos ver se no semestre que vem ela consegue passar de ano.
*
ADVOGADO, É PROFESSOR DE DIREITO ECONÔMICO DA PUC-RIO