Por Lia Sérgia Marcondes, de Portugal, para o Drops de Jogos.
Como as novas tecnologias estão impactando a educação de crianças e adolescentes? Conversamos com professores, da Ed. Infantil ao Pré-Vestibular, que viveram a evolução da tecnologia no ensino e avaliaram as diferenças sentidas em relação à forma como alunos e professores usam as ferramentas à disposição.
Para quem frequentou a escola nos anos 90, a cena era clássica: os alunos faziam brincadeiras e havia barulho de muita conversa nos intervalos entre as aulas. Quando a figura do professor despontava no corredor, todos corriam aos seus lugares e o silêncio fazia-se sentir quando eles adentravam a sala de aula. No início daquela década, os cheiros da escola eram de giz, álcool do mimeógrafo, canetinhas perfumadas e suor dos alunos que estavam sempre a correr pelos pátios…
Na década atual, professores relatam um cenário que mudou muito. As brincadeiras no pátio já ficaram mais restritas à educação infantil. Os pré-adolescentes e adolescentes preferem sentar em grupos, cada um com o seu celular, presos numa tela, provavelmente olhando para algum app com timeline infinita. Alheios ao mundo ao seu redor, mas conectados com todo o planeta. Era assim, na maior parte das escolas, até antes da proibição dos aparelhos nas escolas.
No passado, a propagação das informações sobre o que acontecia em outras partes do planeta, ou até mesmo na cidade vizinha, dependia de recursos como TV, rádio, jornal, revista etc. Agora, qualquer pessoa consegue saber sobre como é a vida em um vilarejo no interior da Thailandia à distância de um desbloqueio biométrico, em um aparelho que cabe na palma da mão. O conhecimento das maiores bibliotecas do mundo inteiro contido em um único dispositivo.
A educação é um espelho da sociedade. Ao observar sua evolução ao longo das décadas, é possível identificar não apenas mudanças tecnológicas, mas também transformações profundas na forma como ensinamos, aprendemos e nos relacionamos com o conhecimento.
As crianças da geração alpha provavelmente nunca viram uma Enciclopédia Barsa. A maioria sequer carrega em seu repertório de saberes a ideia “enciclopédia”. Mesmo a geração Z, talvez tenha ouvido falar sobre ou visto alguma na casa dos avós, mas dificilmente a usaram para seus trabalhos escolares. “Googlar” virou verbo. Neologismo reconhecido desde 2002, que nos últimos dois anos começou a perder espaço para “gepêtear”.
A realidade é que o uso da internet foi transformando, nas últimas décadas, a forma como interagimos com o acesso à informação e como estudamos. Se por um lado a facilidade de acesso à informação ampliou os horizontes da humanidade, por outro estão sempre surgindo novos desafios educacionais, como a perspectiva da perda de autonomia na aprendizagem, a distração excessiva com as telas e a dependência das respostas prontas fornecidas pela inteligência artificial.
A professora e coordenadora Anna Barbosa, 48, que há mais de 20 anos atua no ensino privado, em São Paulo, relembra a sua época de estudante, quando era preciso ter algum grau de dedicação e comprometimento para entregar bons trabalhos, pois os alunos precisavam recorrer a bibliotecas para realizar suas pesquisas. Ir à biblioteca, fora da escola, já era uma “aventura”. “Sinto que as crianças não dão valor às informações que elas têm ali à disposição. Pegam tudo ali mastigado, não querem desenvolver os temas, trabalhar melhor os conteúdos.”, lamenta a professora.
Opinião compartilhada por Jessica Gasparotto, 34, professora no ensino fundamental em Itanhaém-SP, que ainda destaca como o hábito de apenas copiar e colar o conteúdo recebido, sem fazer uma leitura crítica do mesmo, foi intensificado pelo advento da inteligência artificial. “Sei que é complicado para nós professores chamar a atenção [dos alunos] para nós, para que eles se interessem pelos estudos. Equilibrar isso é um desafio muito grande que temos pela frente.”, afirmou.
Para a professora Adriana Fonseca, 46, professora da rede pública, em Santa Cruz das Palmeiras-SP, as dificuldades vão além do equilíbrio no uso da tecnologia na educação. Durante a pandemia de Covid-19, a necessidade de adaptação ao ensino remoto revelou a falta de infraestrutura em muitas escolas, especialmente nas áreas rurais, onde nem todos os alunos tinham acesso à internet e/ou a meios como computadores, tablets ou smartphones. “Hoje todas as escolas tem internet, computadores à disposição etc. Mas, mesmo assim, nem toda escola vai ter computadores suficientes para todos. Então, pensar na tecnologia como um recurso para a educação ainda é uma possibilidade distante da realidade de muitas escolas públicas no Brasil.”, ressaltou a docente.
O professor Lucas Rocha, 44, há 25 anos dá aulas de Redação no ensino privado, em Salvador-BA, e “coleciona” alunos com notas acima de 900 nas redações do Enem, ao longo dos últimos anos. Ele critica o que chama de “excesso de praticidade” proporcionado pela internet. “Os alunos querem respostas prontas sem se aprofundar nos contextos. O aprendizado foi quebrado”, afirma. Ele também destaca a crise no sistema educacional brasileiro, que, segundo ele, falha em estimular o pensamento crítico e a autodescoberta dos estudantes. “Eu tinha uma admiração pelo que o professor representava. Era uma questão da postura que tínhamos em relação à escola.”, conta o professor, que também lamentou o fato de que muitos estudantes manifestam a vontade de deixar a escola. “Eles acham que a escola não é necessária, pois está tudo na internet.”, diz.
Nascido e criado em uma pequena cidade do interior da Bahia, o professor de Literatura Dai Pinheiro, 44, trabalha de maneira “quase analógica” com os seus alunos do ensino médio, em escolas do ensino privado, em Petrolina-PE. Ele acredita que a tecnologia pode ser usada a favor da educação, desde que sejam estabelecidos os limites. “O TikTok e o Instagram têm perfis educativos interessantes, mas os alunos precisam aprender a usar a internet de forma consciente”, diz. Dai orienta os seus alunos para que não confiem 100% nas informações que recebem nos apps de IA, e faz com eles experimentos demonstrando que nem toda informação fornecida ali é fiável. “Instigo eles a pensarem, refletirem, interpretarem os livros por eles mesmos”, relata o professor.
A especialista em Gestão de Tecnologia Educacional, Ingrid Strelow, 49, leciona desde 1997, em Porto Alegre-RS, tem uma visão histórica sobre a evolução da tecnologia na educação. Nascida na década de 70, a professora acompanhou o avanço das ferramentas tecnológicas desde os tempos da máquina de datilografia até os atuais dispositivos eletrônicos e destaca que um dilema enfrentado pelos professores é a cobrança contínua para que as aulas sejam sempre atrativas. No entanto, os professores estão sobrecarregados e sem recursos, fazendo com que muitos acabem repetindo conteúdo de forma massificada. “A escola está formatando pessoas, colocando elas dentro de uma média. E quando todo mundo se forma dentro de uma média, você tem uma grande produção de adultos medíocres.”, afirma.
Nunca antes o acesso ao conhecimento foi tão amplo. O acesso aos conteúdos educacionais estavam restritos aos livros de papel, às bibliotecas tradicionais, ao ensino presencial. Hoje, alunos de qualquer parte do mundo podem aprender por meio de videoaulas, plataformas interativas e inteligência artificial. Uma revolução que permitiu a estudantes de regiões mais remotas, com poucas opções de escolas e professores especializados, que tivessem acesso a conteúdos de qualidade.
A reflexão sobre o papel da tecnologia na educação continua essencial para garantir um ensino de qualidade e significativo para as novas gerações. O grande desafio apontado pelos professores tem sido encontrar o ajuste ideal para fazer uso das ferramentas disponíveis, sem comprometer o desenvolvimento da autonomia e do senso crítico dos estudantes. Ainda que elas possam ser usadas como aliadas na educação, o uso indiscriminado pode comprometer o futuro da aprendizagem.
Obviamente, percebemos que a resposta não está em banir a tecnologia da educação, mas sim em encontrar formas inteligentes de integrá-la ao ensino, garantindo que os alunos desenvolvam as habilidades essenciais que precisarão no futuro. A internet e a inteligência artificial não precisam ser inimigas da aprendizagem. Elas podem e devem ser ferramentas valiosas para formar estudantes mais preparados para o mundo moderno.
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FOTO: Montagem por Lia Sérgia Marcondes, com imagens do iStock/Montagem Pedro Zambarda/Drops de Jogos
Lia Sérgia Marcondes
Mulher, mãe, cozinheira e jornalista, não necessariamente nessa mesma ordem. De esquerda até o último fio de cabelo. Vamos conversar sobre maternidade, cultura pop, arte, tecnologia, não necessariamente nessa mesma ordem. Afinal, no fim do dia tudo é política.
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