Por José Sócrates
Um filósofo francês pediu a uma máquina de Inteligência Artificial para traduzir para alemão e inglês um capítulo do livro que estava a escrever. O filósofo domina as duas línguas e, no passado, fez traduções para francês de Kant, Hegel, Adorno, Cassirer e por aí fora. Segundo os seus cálculos, ele próprio demoraria dois dias. A máquina demorou seis minutos: “em seis minutos o Chat GPT-4 entregou-me uma tradução de quarenta páginas que é, devo dizer, tão perfeita, inclusive nas nuances, que eu não teria uma só palavra a mudar”. Este é o novo mundo da Inteligência Artificial.
Nenhum outro tema é mais político — no sentido em que esta é uma revolução com impacto nas áreas mais sensíveis da nossa vida em comum. As máquinas de inteligência generativa, as LLM (large language models), são agora capazes de escrever, de ler e de criar textos e imagens que nos deixam sem palavras. Digamo-lo sem receio — são mais inteligentes do que nós. E o que é espantoso nesta mudança é a aceleração, por um lado, e o conteúdo, por outro.
O ritmo de aprendizagem das máquinas é assombroso, sem esquecer que estamos ainda no início. E para que se compreenda bem o problema é necessário identificar a substância da mudança em curso: a Inteligência Artificial ocupa-se daquelas missões que sempre consideramos especificamente humanas e que nos distinguem dos animais — as tarefas criativas em ciência, arte e literatura. Um exemplo: uma jovem escritora (?) ganhou no ano passado um prestigiado prêmio literário no Japão com um romance que, acabou por confessar, foi escrito, em grande parte, por uma máquina de Inteligência Artificial.
Já vai sendo tempo de nos afastarmos dos nossos preconceitos que consideram a atividade intelectual demasiado “humana” ou demasiado “sensível” para ser substituída por máquinas. As chamadas “alucinações” das primeiras máquinas de Inteligência Artificial — erros e invenções, algumas tão cômicas que nos faziam rir — permitiram-nos sustentar este ponto de vista e dormir descansados. Tudo isso foi corrigido em dois ou três anos. As novas máquinas já não cometem esses erros.
Por mais assustadoras e extraordinárias que nos pareçam, estas perguntas são absolutamente legítimas. Não as colocar revela, isso, sim, falta de conhecimento e de lucidez perante o que está a acontecer. Todavia, perante a multiplicidade de questões que a inteligência artificial hoje levanta à vida em sociedade, não devemos perder de vista a questão política central. Ela é a seguinte: devemos fazer uma pausa no seu desenvolvimento para regular a sua utilização, ou devemos, pelo contrário, acelerar e progredir de modo, por exemplo, a combater o cancro, salvar vidas e evitar sofrimentos desnecessários?
Os que pedem uma moratória invocam os múltiplos riscos, os que pedem uma aceleração invocam as óbvias vantagens. Também aqui parece ressurgir a tradicional dicotomia entre apocalípticos e conformados, entre os que gritam ao perigo e os que nele se integram sem dificuldade. Mas, por favor, não esquecer: as questões políticas são questões de poder — de poder econômico no interior das nações e de poder político na competição entre as nações. Como anteriormente no domínio espacial, a inteligência artificial transformou-se numa disputa de poder e prestígio. Ninguém quer parar para pensar. Ninguém.
Ericeira, 12 de fevereiro de 2025