Com o recente anúncio de Pedro Nuno Santos (PNS) de que o PS iria abster-se em relação à votação inicial e final do OE temos maior confiança que ele será aprovado. Não a certeza pois em política, como noutras áreas, até ao lavar dos cestos é vindima. Ainda temos pela frente todo o debate e votação das propostas na especialidade e poderão surgir surpresas com as chamadas “coligações negativas”. Por exemplo, como decorrerão as votações em torno da baixa de IRC, sabendo-se que haverá propostas para baixar 2 pontos percentuais (pp) a taxa, para além de 1 pp que consta da proposta de OE?
Só me parece existir um caminho para a aprovação do OE que é fazer como se tivesse havido um acordo entre PS e PSD, nos termos da última proposta apresentada pelo governo, ou seja o PSD votar contra a descida de 2pp que era a sua posição inicial. Por seu lado o PS deve cumprir aquilo que foi referido por PNS de com as propostas do PS não contribuir para o desequilíbrio das contas públicas e nomeadamente votar a favor da descida de 1pp no IRC. Deve, de facto fazê-lo por duas razões distintas. Primeiro, para não desvirtuar o OE de forma a dar um pretexto ao governo para se demitir por ter um orçamento desvirtuado. Segundo, porque é importante que se ponha à prova a exequibilidade deste orçamento e das promessas de futuro que ele contém.
Um OE pode e deve ser analisado do ponto de vista técnico, algo que é demorado, e do ponto de vista político, que é mais rápido de fazer e que é o tema do artigo de hoje.
As propostas orçamentais do PSD de Montenegro e Sarmento nada têm a ver com o PSD de Passos Coelho e Vítor Gaspar. Enquanto estes cortaram salários, pensões e prestações sociais (CSI e RSI), indo para além do memorando com a troika, o atual governo tem mais a ver com o PS de António Costa nas prestações sociais e no reforço da despesa com pensões. Nalguns pontos ultrapassa mesmo o PS de Costa pela esquerda, pois tem vindo a fazer acordos com diferentes carreiras especiais, de revalorizações salariais ou subsídios de vária natureza, com estimativas pouco claras do seu impacto futuro. Tradicionalmente, são o PCP e o BE, que fazem propostas desta natureza desconsiderando o seu impacto orçamental direto e o efeito indireto em todas as outras carreiras que podem usar um argumento de igualdade para sustentar semelhantes reivindicações.
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Tem também algumas medidas favoráveis às empresas (diminuição da taxa de IRC, diminuição das tributações autónomas, etc.). Não admira assim que o ChatGPT, apesar de alguns erros de análise (como considerar que existe aumento da progressividade do IRS) considere que é um OE de esquerda!
Vale a pena recordar qual era a narrativa económica e a estratégia orçamental da AD antes das eleições. Tive ocasião de a discutir na TV com o atual ministro Miranda Sarmento e de defender que era completamente irrealista porque extremamente optimista em relação ao crescimento económico futuro (acima de todas as projeções nacionais e internacionais). A narrativa em resumo era que haveria um crescimento económico robusto sobretudo a partir de 2026 e que isso permitiria três coisas, diminuir as taxas de imposto (sobre famílias e empresas) mas ao mesmo tempo aumentar a receita fiscal e também a despesa pública renegociando com as diferentes carreiras. Ora, sete meses volvidos, estas previsões macroeconómicas foram completamente revistas em baixa (o que implicará menor receita fiscal que a prevista), mas mantêm-se os compromissos de aumento da despesa.
A estratégia de PSD é torná-lo novamente um partido que “apanha todos” dando ao maior número possível, funcionários públicos, pensionistas e recebedores de prestações sociais, por um lado, e se possível aos trabalhadores do privado se conseguir reduzir impostos. Politicamente, o que o PSD está a fazer é a tentar recuperar a sua base de apoio depois de perdida no tempo da troika. Se considerarmos também a polícia judiciária (acordo feito pelo PS) os acordos que foram feitos com os sindicatos das várias carreiras (ou anunciados para breve, caso dos enfermeiros) abrangem quase metade dos trabalhadores da administração central (AC). Note-se que em termos globais de emprego público o número de efetivos da AC reduziu-se significativamente com a troika, sendo hoje ligeiramente acima do que era então.
Essa estratégia percebe-se também no que foi dito por Miranda Sarmento na apresentação do OE2025, ao referir que caso haja margem orçamental no final de 2025 poderá haver reforço com um aumento suplementar para os pensionistas.
Um breve olhar para as principais grandezas das administrações públicas (incluindo Estado e administrações regionais e locais), na Tabela 2, também permite algumas conclusões preliminares. Em relação à carga fiscal não se pode dizer que haja uma descida significativa (menos 0,1% do PIB não é quase nada), o que há é uma reorientação da tributação direta em IRS e IRC (e mais visível politicamente) para a indireta. Em relação, ao peso do “Estado” na economia o melhor indicador (sem usar indicadores estruturais), é o da despesa corrente primária, que é a despesa efetiva, excluindo os juros da dívida e a despesa de capital, nomeadamente investimento público, agora a acelerar com o PRR.
Verificamos, como seria de esperar, que no período da troika os cortes na despesa foram sobretudo no investimento público e nas despesas com pessoal com os cortes salariais e o congelamento de praticamente todas as carreiras nas administrações públicas. Nos anos da geringonça, houve um descongelamento progressivo, mas mesmo assim com controle salarial, com acordos de reposição salarial parcial para todas as carreiras. Isto fez com que, também com contributo do crescimento económico de 2015 a 2019, o peso da despesa salarial no PIB diminuísse.
O que acontece de 2024 (essencialmente Orçamento PS) para 2025? Para além da aceleração do investimento, existe um marginal, mas muito pequeno, aumento do peso das despesas com pessoal. O que acontece é que todos os acordos remuneratórios que já foram feitos pouco impacto têm ainda no OE2025, terão sobretudo efeitos em 2026 e em 2027. Os pagamentos faseados crescentemente nos próximos anos têm uma dupla razão. Economicamente, um natural menor impacto orçamental. Politicamente são um isco lançado a todos esses trabalhadores das carreiras agora revalorizadas. Se nos continuarem a apoiar até 2027, nomeadamente em caso de eleições associadas a uma crise política, sabem que vamos implementar essas valorizações remuneratórias. Mas se deixarmos de ser governo, não as terão. Esta a estratégia político-orçamental de Montenegro que deixa o PS numa situação difícil. É uma verdadeira armadilha política que exigirá ao PS muita capacidade para fazer oposição eficaz.
Independentemente de saber se este OE é, como alega o ChatGPT, de esquerda, há duas questões que merecem resposta. O OE2025 contribui para o crescimento potencial da economia portuguesa? Existe sustentabilidade orçamental na estratégia que está a ser implementada? Espero que as várias instituições públicas e da sociedade civil que analisam as contas públicas, lhes deem uma resposta.