Entre os convidados de destaque para a posse do presidente dos EUA, Donald Trump, estão os bilionários líderes de gigantes tecnológicas Elon Musk, da Tesla; Jeff Bezos, da Amazon, e Mark Zuckerberg, da Meta, empresa-mãe do WhatsApp, Instagram, Facebook e Threads.
Esse trio de pesos-pesados do Vale do Silício ocupou lugar de destaque na cerimônia e apareceram lado a lado do primeiro escalão do novo governo republicano e a outras autoridades eleitas. As três empresas doaram US$ 1 milhão cada para as festividades inaugurais de Trump, sinalizando uma possível reaproximação entre as big techs e a administração que começa.
Além deles, o CEO do TikTok, Shou Zi Chew, também recebeu convite para o evento. A presença do executivo chama atenção, pois ocorre apenas um dia após a suspensão-relâmpago e retorno do aplicativo nos Estados Unidos.
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A cena desses bilionários em lugar de destaque na posse de Trump para o seu segundo mandato na Casa Branca esquenta o debate sobre o “tecnofeudalismo”. Esse conceito descreve uma nova forma de organização econômica e social emergente no contexto do capitalismo digital, onde grandes plataformas tecnológicas exercem um poder centralizado e dominante, semelhante ao papel dos senhores feudais na Idade Média.
Embora a ideia ainda esteja sendo debatida e evoluindo no campo acadêmico e político, o termo geralmente é usado para criticar como as plataformas digitais moldam as relações econômicas, sociais e políticas contemporâneas.
Nova Guerra Fria tecnológica
No último final de semana, viralizou um vídeo, com quase 45 mil visualizações até agora, de Luiz Farias, estudante de mestrado em mídias criativas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que também é filho do deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ).
Faria comentou o banimento do TikTok nos EUA – medida que foi revogada horas depois de entrar em vigor pelo então presidente eleito Donald Trump. Ele observou que o aplicativo chinês XiaoHongShu, conhecido internacionalmente como RedNote, já ocupa o topo da lista dos mais baixados na AppStore dos EUA, desafiando diretamente os planos de Washington de reduzir a influência digital chinesa.
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Essa situação, aponta Farias, evidencia um cenário mais amplo: o mundo está entrando em uma nova guerra fria tecnológica, onde disputas entre potências não se limitam mais a questões militares ou territoriais, mas se estendem à economia digital e ao controle de dados.
O mestrando em mídias criativas ressaltou ainda que, embora pareça distante, essa nova ordem mundial tem reflexos diretos sobre países como o Brasil. A ascensão do tecnofeudalismo, um sistema econômico onde gigantes da tecnologia operam como novos “senhores feudais”, impacta a soberania digital, o acesso ao mercado global e a regulamentação de dados.
O Brasil, enquanto consumidor de plataformas internacionais, se encontra em uma posição vulnerável. Empresas como TikTok, Google e Amazon desempenham papéis cruciais em diversas esferas — desde o comércio eletrônico até a disseminação de informação.
As decisões de grandes potências, como o banimento de aplicativos ou a criação de restrições comerciais, reverberam no mercado local, afetando usuários, empreendedores e governos.
“Eu quero te explicar o quê isso tem a ver com a gente aqui no Brasil e qual a relação disso com o Tecnofeudalismo, o novo sistema econômico em que o mundo tá entrando”, afirmou.
A Nova Ordem Econômica e Digital
O termo Tecnofeudalismo ganhou popularidade com pensadores como Yanis Varoufakis, economista e ex-ministro das Finanças da Grécia, que vê o novo conceito como um rompimento com o capitalismo tradicional.
Em sua obra “Technofeudalism – What Killed Capitalism” (“Tecnofeudalismo – O Que Matou o Capitalismo”, em tradução livre), ainda sem edição em português do Brasil, Varoufakis argumenta que o capitalismo tradicional está sendo substituído por um novo sistema de dominação, o tecnofeudalismo.
O livro apresenta uma análise provocativa sobre como o capitalismo está sendo transformado por gigantes da tecnologia. Segundo o autor modelo capitalista tradicional está dando lugar a um sistema que ele chama de tecnofeudalismo, onde o controle das plataformas digitais substitui os mercados como principal estrutura de poder econômico.
Capitalismo de vigilância
Outros estudiosos, como Shoshana Zuboff, autora de “A Era do Capitalismo de Vigilância”, também abordam aspectos desse conceito ao criticar como as plataformas lucram com o controle e a exploração dos dados.
Em sua obra, Zuboff analisa como o surgimento das grandes plataformas digitais transformou o capitalismo e a sociedade moderna. O livro apresenta o conceito de capitalismo de vigilância, um sistema econômico em que empresas utilizam dados pessoais coletados de forma muitas vezes invasiva para prever e influenciar comportamentos, transformando a privacidade em um produto lucrativo.
A autora argumenta que gigantes da tecnologia como Google, Facebook e Amazon estão liderando uma nova forma de exploração, onde o poder é exercido pelo controle de informações pessoais e pela manipulação do comportamento humano. Esse sistema não apenas redefine a economia, mas também ameaça valores fundamentais, como a autonomia individual, a democracia e os direitos civis.
A autora traça as origens desse modelo econômico, destacando como a coleta de dados inicialmente serviu para melhorar serviços, mas evoluiu para um sistema em que os dados são extraídos sem consentimento e utilizados para maximizar lucros. Além disso, Zuboff alerta para os perigos do monitoramento constante, que cria um ambiente de conformismo social e limita a liberdade individual.
Características centrais do Tecnofeudalismo
Concentração de Poder
Assim como os senhores feudais concentravam terras no passado, as big techs controlam amplamente a infraestrutura digital global. Elas acumulam dados e capital de forma desproporcional, criando um ambiente de dependência econômica e social.
Propriedade dos Dados como Novo Território
No tecnofeudalismo, os dados desempenham o papel equivalente às terras feudais, sendo a principal fonte de riqueza e poder. Grandes plataformas capturam informações dos usuários e as transformam em ativos lucrativos, dificultando a entrada de concorrentes.
Dependência dos Trabalhadores e Pequenos Negócio
Trabalhadores e pequenos empreendimentos dependem dessas plataformas para acessar mercados e obter visibilidade. A relação lembra a dos servos medievais, que eram subordinados aos senhores feudais para garantir seu sustento.
Economia de Plataforma e Precarização
Empresas como Uber e Airbnb operam sob o modelo de gig economy, transferindo riscos e custos operacionais para os trabalhadores. Ao mesmo tempo, controlam os lucros e ditam as regras do jogo, exacerbando a precarização do trabalho.
Controle de Infraestruturas Digitais
As plataformas dominam servidores em nuvem, redes sociais e mecanismos de busca, atuando como intermediárias indispensáveis para a comunicação e transações econômicas. Esse monopólio digital aumenta sua influência global.
Críticas ao Tecnofeudalismo
Desigualdade Econômica
A concentração de poder e riqueza em poucas empresas agrava desigualdades sociais e econômicas, dificultando o acesso a recursos e oportunidades.
Erosão da Democracia
O controle de informações por big techs ameaça a pluralidade de vozes e a transparência nos processos democráticos, permitindo manipulações e monopólios ideológicos.
Precarização do Trabalho
A economia de plataforma reduz direitos e segurança trabalhista, transferindo riscos para os trabalhadores enquanto as empresas mantêm controle total sobre os lucros e as condições de trabalho.
O tecnofeudalismo representa uma transição inquietante no sistema econômico global, substituindo mercados abertos por redes controladas por plataformas digitais. Enquanto essas empresas consolidam sua posição como “senhores feudais” modernos, cresce o desafio de regular e redistribuir poder para evitar uma economia ainda mais desigual e centralizada.
Tecnofeudalismo sob o Novo Governo Trump
O segundo mandato de Donald Trump iniciado nesta segunda-feira traz à tona questões sobre o impacto de suas políticas nas dinâmicas do tecnofeudalismo, um sistema emergente que reorganiza o poder econômico e social em torno das plataformas digitais.
Sob uma administração que historicamente favoreceu as grandes corporações, especialmente as de tecnologia, os efeitos desse fenômeno podem ser amplificados nos Estados Unidos e no cenário global.
Consolidação do Poder das Big Techs
Trump tende a priorizar políticas que fortalecem as empresas americanas, como cortes de impostos, redução de regulações e estímulos à inovação tecnológica. Isso pode beneficiar gigantes como Google, Amazon, Meta (Facebook) e Microsoft, que já dominam amplamente o mercado digital. A desregulamentação proposta favorece práticas monopolistas e aumenta a concentração de riqueza e poder, aspectos centrais do tecnofeudalismo.
Fragmentação Digital e Guerra Tecnológica
A intensificação das tensões com a China, incluindo a continuidade de tarifas e bloqueios a empresas chinesas como Huawei e TikTok, pode consolidar uma “guerra fria digital”. Essa disputa resultaria na fragmentação do ecossistema global em blocos tecnológicos dominados por plataformas ocidentais e orientais. Essa divisão pode criar dependências regionais ainda maiores e consolidar o papel das big techs como intermediárias indispensáveis.
Precarização do Trabalho e Gig Economy
O incentivo à economia de plataforma, característica da administração Trump, pode expandir a precarização das condições de trabalho. Modelos de negócios como os da Uber e DoorDash transferem riscos operacionais para os trabalhadores, ao mesmo tempo que concentram lucros e poder nas plataformas. Isso intensifica as desigualdades econômicas e consolida a dependência dos trabalhadores em relação aos “senhores feudais digitais”.
Monopólio de Dados e Privacidade
Com Trump reforçando a ideia de que os dados são ativos estratégicos, as empresas de tecnologia americanas podem consolidar ainda mais seu controle sobre informações pessoais e comerciais. Isso não apenas ameaça a privacidade dos usuários, mas também gera desigualdades no acesso e na distribuição de recursos digitais.
Impactos globais do tecnofeudalismo
A expansão do tecnofeudalismo nos EUA pode gerar efeitos em escala global, incluindo:
- Dependência internacional: Países aliados aos EUA podem ser forçados a adotar as plataformas americanas, aumentando a concentração de poder.
- Exclusão econômica: Pequenos negócios e startups enfrentarão dificuldades para competir em mercados dominados por grandes corporações.
- Inovação centralizada: Investimentos em tecnologias emergentes podem beneficiar apenas grandes players, limitando a distribuição equitativa de avanços tecnológicos.
Sob o novo governo Trump, o tecnofeudalismo tem potencial para se intensificar, moldando a economia digital em torno de poucas corporações com poder desproporcional.
A ausência de regulação eficaz e a escalada da competição tecnológica com a China podem aprofundar desigualdades e consolidar um sistema onde dados, riquezas e infraestrutura digital estão nas mãos de uma elite corporativa. A busca por políticas equilibradas será essencial para mitigar os efeitos negativos dessa tendência global.
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