Estamos na reta final do primeiro turno das eleições — as primeiras no Brasil com uma norma específica para o uso de inteligência artificial pelas campanhas. A resolução publicada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em fevereiro determina que em casos de utilização da tecnologia em propaganda eleitoral, os candidatos devem “informar, de modo explícito, destacado e acessível que o conteúdo foi fabricado ou manipulado e a tecnologia utilizada”.
Até o momento, não foram muitas as candidaturas que sinalizaram uso de inteligência artificial em seus conteúdos:
- Menos de 200 anúncios (198) pagos por apenas 83 candidatos nas plataformas da Meta desde o início de agosto continham o aviso;
- Mais da metade deles (47) informou que usou a IA para produção de músicas para a campanha, como jingles e melodias para vídeos;
- O segundo principal uso da tecnologia foi para locução de vozes em vídeos — recurso informado por nove candidatos em 17 anúncios;
- Outros sete candidatos sinalizaram uso de IA para edição de vídeo ou imagens em 18 anúncios.
Candidata a prefeita em Caxias do Sul (RS), Denise Pessoa (PT) fez uma música a partir de comentários positivos que recebeu em suas postagens no Instagram usando o app Suno — que produz gratuitamente até três músicas com IA. Ela usou o conteúdo em dois anúncios em suas redes, sinalizando a ferramenta utilizada.
A brincadeira foi tendência nas campanhas — Aos Fatos encontrou outros 14 candidatos que publicaram anúncios com músicas geradas a partir de comentários nas redes, entre elas de Roberto Cidade (União), que concorre à prefeitura de Manaus, e Rodrigo Neves (PDT), postulante a prefeito de Niterói (RJ). Eles também informaram que o conteúdo foi feito por IA, mas sem sinalizar com qual ferramenta ou seguir qualquer padrão para o aviso.
Embora haja sinalização do uso de IA, os casos não seguem as especificações exigidas pelo TSE:
- A resolução estabelece que o aviso seja feito no início das peças de comunicação por vídeo ou áudio, ou por um rótulo (marca d’água) e na audiodescrição em caso de imagens estáticas.
- Dos 198 anúncios encontrados, a grande maioria (149) só sinalizou que o conteúdo era sintético na legenda da publicação.
- Apenas 35 informaram o uso da tecnologia por áudio e 14 por texto dentro da publicação, mas sem seguir qualquer padrão — cada aviso foi feito de um jeito.
- Todos os conteúdos também devem informar a ferramenta que foi utilizada — norma que foi seguida em menos de 10% dos anúncios.
Para Yasmin Curzi, pesquisadora do Karsh Institute of Democracy da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, falta clareza da própria Justiça Eleitoral nas exigências. “As pessoas não estão sabendo como fazer. Às vezes não é nem má-fé. As candidaturas, às vezes, não têm recurso tecnológico para fazer os conteúdos e optam por uma ferramenta gratuita ou online. Por isso me preocupa essas candidaturas menores serem mais penalizadas [por uso indevido de IA]”, diz.
Ela defende que a maior preocupação da Justiça deve ser com a desinformação gerada a partir desses conteúdos. “Qualquer outra coisa que não entre nesse meandro na minha perspectiva sequer deveria ser punida”, argumenta.
Porém, os casos de violação se multiplicam dia após dia:
- Somente na pré-campanha, a Justiça Eleitoral julgou 43 ações relacionadas ao uso de inteligência artificial, e em 32% dos casos foram encontradas irregularidades segundo levantamento do Aos Fatos em parceria com ICL Notícias e o Clip (Centro Latinoamericano de Investigação Jornalística) publicado em agosto;
- No primeiro mês da campanha, Aos Fatos também identificou 85 candidaturas que contrataram empresas para produção de jingles e vídeos gerados por IA e pelo menos 38 publicaram esses conteúdos sem qualquer aviso.
Por ser uma norma inédita e fluida — cujo descumprimento pode acarretar diferentes punições às candidaturas —, ainda não se sabe o impacto que ela terá nas campanhas, mas esse veredito é tão aguardado quanto o resultado eleitoral.