Fato consumado no mercado de trabalho, o uso da inteligência artificial (IA) na educação também já é uma realidade. O recurso vem transformando a forma como professores ensinam e alunos aprendem. Diversas escolas adotam essa tecnologia para personalizar o aprendizado, otimizar o ensino e preparar os estudantes para um futuro cada vez mais digital. O treinamento contínuo dos professores e o desenvolvimento de ferramentas próprias fazem parte do trabalho.
Christine Lourenço, diretora pedagógica do Grupo Salta, responsável pelos colégios pH, Pensi e Elite no Rio, destaca o impacto transformador da inteligência artificial na educação.
— No frontstage, a IA personaliza a aprendizagem, permitindo que cada aluno aprenda no seu próprio ritmo. No backstage, otimiza o tempo dos professores, facilitando o planejamento e a criação de materiais. Contudo, precisamos estar atentos aos desafios que surgem, como a possibilidade de dependência e a necessidade de um uso crítico e ético por parte de alunos e educadores — diz.
Christine também menciona o papel crucial da IA na inclusão de alunos com necessidades especiais, ao facilitar o aprendizado com materiais acessíveis e ferramentas que promovem equidade no ambiente escolar. Ela exemplifica o uso da ferramenta com tecnologias como softwares de reconhecimento de fala, que ajudam alunos com dificuldades motoras a escrever por comando de voz; e leitores de tela, que permitem que estudantes com deficiência visual acessem conteúdos escritos. Além disso, cita sistemas de tradução automática para alunos com deficiência auditiva, como a tradução de textos para Língua Brasileira de Sinais (Libras), e plataformas que personalizam o ensino, adaptando-se ao ritmo e ao estilo de aprendizagem de cada aluno.
Ela destaca ainda que o Grupo Salta está implementando a IA em várias frentes, incluindo a capacitação de professores por meio de workshops e uma eletiva para alunos sobre o uso produtivo dessas tecnologias.
— Menciono também os chatbots, que servem como monitoria remota para ajudar os alunos com dúvidas sobre o material didático. A IA pode reconhecer padrões de consumo de conteúdos e recomendar vídeos, textos e podcasts; avaliar a proficiência dos alunos e sugerir exercícios adequados; e compilar dados acadêmicos para auxiliar na criação de planos de ação personalizados. Acreditamos que integrar a IA com métodos tradicionais cria um ambiente de aprendizagem mais dinâmico e inclusivo, preparando nossos estudantes para um futuro tecnológico — afirma ela.
Já o Colégio pH dá os primeiros passos na implantação da inteligência artificial. O tema será incorporado às Oficinas de Aprendizagem, que já acontecem dentro da grade curricular da escola, em dois tempos de aula por semana.
As oficinas são de ciências, matemática e redação, e, a partir do primeiro semestre de 2025, a instituição incluirá a educação digital nessas aulas, em que os estudantes vão poder usar a IA para trabalhar possibilidades relacionadas ao conteúdo. A nova disciplina buscará ainda fazer com que os alunos consigam analisar criticamente a informação que obtiverem e salientar sua responsabilidade no uso da ferramenta, com discussões sobre as implicações éticas da IA e temas como privacidade e viés algorítmico.
— O uso ético da IA é crucial. Não se trata apenas de habilidades técnicas, mas de uma compreensão profunda do impacto dessa tecnologia — afirma Igor Oliveira Vieira, coordenador do colégio.— Ao fomentar um ambiente de discussão, preparamos nossos alunos para serem líderes inovadores e conscientes.
Ajuda para os professores
No Colégio Ao Cubo, a IA foi introduzida como uma ferramenta de apoio aos professores, especialmente na correção de redações e na criação de planos de estudo personalizados. A tecnologia também é usada em uma tutoria on-line. Segundo Rodrigo Reis, diretor da instituição, a IA funciona como um “primeiro corretor”, identificando erros básicos e deixando os professores livres para focarem em aspectos mais profundos das produções dos alunos.
— Com a IA, o tempo de correção de uma redação diminui de 17 para cerca de três minutos, permitindo ao professor mais tempo para planejar atividades criativas e acompanhar individualmente cada estudante — explica.
A ferramenta também personaliza o aprendizado, ajustando o nível de dificuldade das atividades com base nas competências de cada aluno. José Antonio Júnior, diretor-geral do Ao Cubo, destaca que a IA identifica as facilidades e dificuldades dos estudantes em diversas áreas, promovendo uma educação mais individualizada.
— O sistema ajusta automaticamente o nível de desafio das atividades, ajudando a superar um dos maiores desafios da educação básica: a uniformização das metodologias de ensino, proporcionando uma educação de excelência e humanizada — ressalta.
Além do suporte acadêmico, o uso da IA é voltado para o desenvolvimento de habilidades críticas. Nas aulas de redação, os alunos são incentivados a utilizar a tecnologia como ferramenta de análise e produção de perguntas, em vez de buscar respostas prontas.
— Essa abordagem promove a alfabetização visual e a capacidade de interpretação crítica, preparando os alunos para exames como o Enem — explica o coordenador de Redação, Daniel Bravo.
A aluna Isabela Ramadas, da 1ª série do ensino médio, elogia a integração da IA nas atividades:
— Ela me ajudou a refletir sobre questões que eu não havia considerado. O processo de formular perguntas nos leva a novos insights e amplia nossa capacidade de análise.
No Mopi, as primeiras experiências com a IA começaram no ano passado, com treinamento da equipe docente e conscientização dos alunos sobre o uso responsável do recurso. Para os professores, foi criado um aplicativo que ajuda a reduzir o tempo gasto na elaboração de avaliações.
— Temos alunos de inclusão que precisam de provas adaptadas. Então, o professor, em vez de precisar formular novas questões do zero, pode pegar uma prova regular e lançar nesse aplicativo baseado em IA, que vai fazer a conversão das questões respeitando todos os processos de adaptação e nuances necessárias — explica Luiz Rafael Silva, coordenador pedagógico do Mopi e um dos desenvolvedores da plataforma, ao lado do professor de química Felipe Domingues. — O aplicativo tem também o formulador de questões. O professor pode, por exemplo, pegar um link com reportagens em texto, vídeos ou áudios, dizer os conhecimentos que quer abordar, se deseja questões de múltipla escolha ou discursivas, e a plataforma elabora modelos de simulados parecidos com avaliações externas, como o Enem.
Outra funcionalidade é a validação de questões, destaca Silva.
— O professor pode pegar uma prova inteira, jogar no aplicativo e descobrir se as questões têm o nível de dificuldade fácil, médio ou difícil para determinada série e as habilidades e conhecimentos exigidos em cada uma delas. Ele ainda dá o gabarito e, se a prova for de múltipla escolha, justifica por que as demais alternativas estão erradas. Por fim, faz o cálculo de toda a pontuação da prova e uma previsão da média que a turma pode alcançar realizando a prova. Conseguimos comparar a média feita pela IA e a média real, e não há muita discrepância. O professor consegue antever como os alunos vão se sair na prova que elaborou — detalha.
Em breve, esse mesmo aplicativo será capaz de sugerir planos de aula:
— O professor vai dizer as habilidades e competências que quer desenvolver, e o nosso app vai sugerir um plano de aula, dentro do que acreditamos no processo de aprendizagem, colocando o aluno como protagonista.
Além dos professores, o Mopi tem uma equipe de monitores, ainda graduandos em Pedagogia, que, além de treinarem a metodologia da escola e a condução da didática em sala de aula, precisam apresentar para a direção aulas utilizando alguma ferramenta de IA.
— Esses monitores poderão virar nossos professores. Então, já preparamos os futuros profissionais para essa realidade de uso intenso da IA, da qual não temos como fugir — diz Silva.
A instituição pretende ainda criar tutores guiados por IA, para ajudar alunos no contraturno escolar.
— Há estudantes que não conseguem se organizar para estudar fora da escola. Estamos pensando numa ferramenta para auxiliá-los a dividir seu tempo entre os conteúdos mais necessários. Neste caso, o aluno vai apresentar sua demanda e o tutor, alimentado por nossa base de dados, vai identificar as lacunas que ele tem e orientá-lo — esclarece Silva.
O Colégio Adventista, na Tijuca, também está promovendo uma capacitação específica para seus professores do ensino fundamental I, focada em formas de integrar a IA ao planejamento de aulas e atividades. A iniciativa, liderada pela professora Érica Abreu, visa a preparar os alunos para um futuro digitalizado, tornando as aulas mais dinâmicas e interativas.
— Essa capacitação oferece ferramentas práticas para integrar a tecnologia ao cotidiano escolar, tornando as aulas mais dinâmicas — afirma Érica.
Além disso, a professora implementou um projeto com alunos do 9º ano, que usaram IA para produzir conteúdos sobre Getulio Vargas, tema que será apresentado a alunos do 5º ano.
— Os alunos do 9º ano vão ensinar os mais jovens, promovendo uma troca de conhecimento e demonstrando o potencial da IA no processo educacional — explica Érica.
Esse projeto destaca a importância da manipulação consciente da IA, capacitando os alunos a utilizarem a tecnologia como uma ferramenta auxiliar no aprendizado.
— Nós não estamos sendo manipulados pela inteligência. Ao contrário, a IA é uma ferramenta que potencializa a relação ensino-aprendizagem — conclui a professora.