Com a popularização da inteligência artificial generativa, é preciso incluir os data centers no licenciamento ambiental – Jornal da USP

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Recentemente, o governo federal apresentou a proposta de Plano Brasileiro de Inteligência Artificial 2024-2028: IA para o Bem de Todos, que prevê investimentos de vinte e três bilhões de reais ao longo de cinco anos. Essa proposta estrutura suas ações em seis eixos principais, representando os desafios cruciais para que a inteligência artificial (IA) impulsione o desenvolvimento socioeconômico do Brasil.

O eixo “Infraestrutura e Desenvolvimento de IA” foi destacado como o segundo maior destinatário de recursos, reforçando a necessidade urgente de investimentos básicos nesse setor. Embora o plano enfatize os benefícios para as áreas de meio ambiente, clima e sustentabilidade decorrentes de um ecossistema de IA moderno e robusto, surgem preocupações quanto ao desenvolvimento dos data centers no Brasil.

Os data centers, ou centros de processamento de dados, são estruturas físicas que concentram os sistemas computacionais de empresas e organizações. Eles são essenciais para o treinamento de modelos de inteligências artificiais generativas (IAgen), como o ChatGPT, Gemini, Meta AI, entre outros. No entanto, esses centros são grandes consumidores de energia elétrica, e a crescente popularização de IAgen traz à tona preocupações sobre a sustentabilidade desses sistemas. Um relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), divulgado no início de 2024, indicou que o consumo de energia em data centers pode aumentar 128% até 2026, em comparação ao consumo registrado em 2022, impulsionado pelo uso massivo de IAgen e pela mineração de criptomoedas.

Energia e dados: quem paga a conta ambiental?

Diante desse cenário, é louvável que a proposta do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial destaque a necessidade de estabelecer data centers “verdes” de alta capacidade, utilizando fontes de energia renováveis e práticas sustentáveis de uso de recursos hídricos. No entanto, é crucial elucidar alguns impactos ambientais negativos associados aos data centers e as medidas de controle necessárias para mitigá-los, que não são em nada triviais.

1 – Consumo massivo de energia elétrica em data centers: Essas infraestruturas, fundamentais para o desenvolvimento da IA no Brasil, consomem grandes quantidades de energia elétrica, tanto no armazenamento e processamento de dados quanto em seus sistemas de refrigeração. Apesar de a matriz elétrica brasileira ser diversificada, com uma ampla gama de fontes renováveis (hidrelétrica, solar, eólica etc.), alguns estados ainda dependem significativamente de fontes não renováveis, como usinas termoelétricas a gás natural ou carvão. Além disso, embora os data centers obtenham eletricidade do Sistema Interligado Nacional (SIN), é necessário que mantenham conjuntos de geradores a óleo diesel como backup para eventuais interrupções no fornecimento de energia.

Portanto, é imprescindível que os data centers elaborem anualmente Relatórios de Inventários de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), sejam inseridos nos Cadastros Estaduais de Emissões de GEEs, assim como proponham medidas de mitigação das emissões de GEE relativas ao estado onde está situado, tudo isso realizado da maneira mais transparente possível e acessível à toda sociedade.

Os geradores a diesel, em particular, são fontes potenciais de poluição atmosférica, emitindo fumaça preta, dióxido de carbono, monóxido de carbono, dióxido de enxofre e óxidos de nitrogênio, além de causarem pressão sonora e vibração. Uma análise prévia pelo órgão ambiental competente pode exigir medidas específicas de controle, como encapsulamento dos equipamentos ou bases de concreto antivibratórias.

2 – Refrigeração de data centers e consumo de recursos hídricos: Além de consumidores significativos de energia elétrica, os data centers também utilizam extensivamente recursos hídricos para resfriamento. Dependendo da combinação de fatores, um data center pode ser refrigerado por ar-condicionado ou por sistemas de refrigeração à água. Embora o uso de ar-condicionado implique em altos custos energéticos, os sistemas de refrigeração à água podem ser economicamente mais viáveis. No entanto, a fonte de água pode variar, sendo proveniente do sistema público de abastecimento, captação subterrânea ou superficial.

A instalação de data centers próximos a grandes centros urbanos brasileiros pode impactar negativamente regiões com grande insegurança hídrica. O órgão ambiental competente pode autorizar a captação de água superficial ou subterrânea mediante outorga dos direitos de uso de recursos hídricos. Além disso, políticas públicas devem incentivar o uso de fontes alternativas, como a água coletada da chuva e/ou água de reuso proveniente do setor industrial.

3 – Geração de resíduos sólidos por data centers: Os data centers geram uma grande quantidade de resíduos sólidos de diversas tipologias diferentes. Entre os resíduos não perigosos, incluem-se as embalagens dos próprios equipamentos (papelão, plástico etc.), que devem ser encaminhadas para destinação adequada, preferencialmente reciclagem. No entanto, devido ao uso intensivo e à necessidade constante de atualização de equipamentos eletroeletrônicos, os data centers também são grandes geradores de Resíduos Eletroeletrônicos (REE), que são classificados como perigosos e que exigem destinação ambiental apropriada.

Os REEs gerados por um data center podem incluir equipamentos fora de serviço ou obsoletos, mídias de armazenamento (inclusive as destruídas deliberadamente para manter a confidencialidade das informações), além de baterias com capacidade expirada ou danificadas. Todo data center, como qualquer gerador de resíduos no Brasil, é obrigado a emitir o Manifesto de Transporte de Resíduos (MTR), que comprova a contratação de uma empresa ambientalmente licenciada para coleta e transporte de resíduos e a disposição adequada desses resíduos em um destinador devidamente licenciado ambientalmente.

Lições internacionais

A necessidade de incluir os data centers no licenciamento ambiental brasileiro se baseia em uma compreensão aprofundada das implicações ambientais negativas que essas infraestruturas geram.

Originalmente, o ordenamento jurídico do licenciamento ambiental no Brasil, estabelecido pela Lei Federal nº 6.938/1981 e regulamentado pela Resolução CONAMA nº 237/97, não previa a inclusão de atividades como as desempenhadas pelos data centers, uma vez que estas se desenvolveram significativamente apenas nas últimas décadas, impulsionadas pela crescente digitalização e, mais recentemente, pela popularização das IAgen.

O Código Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) 6311-9/00, que abrange o tratamento de dados, provedores de serviços de aplicação e serviços de hospedagem na internet, reflete as atividades típicas dos data centers. No entanto, essa classificação não captura adequadamente os impactos ambientais negativos que estas instalações podem causar, especialmente no que tange ao consumo massivo de energia elétrica, ao uso de recursos hídricos e à geração de resíduos sólidos perigosos, como discutido anteriormente.

O ordenamento jurídico ambiental brasileiro é orientado por princípios constitucionais, como o princípio da precaução e o princípio da prevenção, ambos estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Esses princípios determinam que, na presença de incertezas sobre o impacto de determinadas atividades no meio ambiente, medidas preventivas devem ser adotadas para evitar danos potenciais. Dada a crescente relevância dos Data Centers, no contexto apresentado pelo Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, e seus potenciais impactos ambientais negativos, é coerente e necessário que o licenciamento ambiental abarque essas infraestruturas, assegurando a mitigação dos efeitos adversos ao meio ambiente.

Além disso, a Lei Federal nº 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelece a necessidade de controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras, visando garantir a compatibilidade do desenvolvimento econômico com a preservação ambiental. Embora a legislação atual não tenha sido originalmente concebida para regular data centers, a evolução tecnológica e a expansão dessas infraestruturas impõem a necessidade de sua inclusão no escopo do licenciamento ambiental, em consonância com os princípios estabelecidos na lei.

Comparativamente, outros países como o Chile e a Holanda já avançaram na regulamentação ambiental de data centers. No Chile, por exemplo, a legislação ambiental exige que os data centers sejam submetidos a uma avaliação de impacto ambiental antes de sua instalação, especialmente devido ao consumo de recursos hídricos e energia. Na Holanda, os data centers são igualmente sujeitos a rigorosos requisitos ambientais, incluindo a necessidade de licença ambiental, como forma de garantir que operem de maneira sustentável. Esses exemplos internacionais demonstram que é possível e necessário regulamentar adequadamente essa atividade para assegurar a proteção ambiental.

À guisa de conclusão, sugerimos que a inclusão dos data centers no processo de licenciamento ambiental brasileiro seja considerada uma medida necessária e urgente, diante do impacto negativo crescente dessas infraestruturas ao meio ambiente. Embora o ordenamento jurídico original do licenciamento ambiental não previsse a inclusão dessas atividades, a evolução tecnológica e o aumento da relevância dos data centers justificam plenamente a revisão e ampliação do escopo de atividades licenciáveis.

A iniciativa de incluir os data centers no licenciamento ambiental está alinhada com os princípios constitucionais da prevenção e precaução, e com as diretrizes estabelecidas pela Política Nacional do Meio Ambiente. Além disso, ao se comparar com as legislações ambientais do Chile e da Holanda, fica evidente que o Brasil pode e deve adotar medidas semelhantes para assegurar que o desenvolvimento tecnológico, representado pela expansão dos Data Centers, ocorra de forma sustentável e responsável. Essa abordagem harmoniza a necessidade de progresso tecnológico desejado no Plano Brasileiro de Inteligência Artificial com a proteção do meio ambiente, contribuindo para um desenvolvimento socioeconômico equilibrado e sustentável no Brasil.

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(As opiniões expressas nos artigos publicados no Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo. Acesse aqui nossos parâmetros editoriais para artigos de opinião.)

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