DeepSeek muda geopolítica de poder da IA, afirma cientista – 02/02/2025 – Mercado

DeepSeek muda geopolítica de poder da IA, afirma cientista - 02/02/2025 - Mercado

Compartilhe esta postagem

Índice do Conteúdo

Receba nosso boletim

Novos contatos

nossa newsletter

De calça jeans surrada, camiseta preta e lisa e boné, a imagem de Silvio Meira, 69, é diferente da dos demais palestrantes, quase todos engravatados.

Ele está ali para falar de um assunto sobre o qual, segundo ele, pessoas e empresas comentam muito, mas não entendem nada: inteligência artificial.

“A capacidade da empresa de inovar passou a ser a capacidade de escrever códigos”, disse para sua audiência na Expolog, seminário internacional de logística realizado em novembro, em Fortaleza.

Cientista, professor emérito do centro de informática da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e empresário, ele é criador do Porto Digital, um dos principais ambientes de inovação do país. Também faz parte do conselho de administração de diferentes companhias.

Em conversa com a Folha durante o evento e nesta semana, por telefone, ele afirma que a IA chinesa do DeepSeek mudou a relação de forças no setor.

“O que ninguém pode dizer é que não é algo revolucionário”, afirma.

Mesmo para especialistas em IA, o quão surpreendente foi o aparecimento do DeepSeek?

A IA do DeepSeek não é nova. Todos sabiam da existência da empresa. No final do ano passado, eles haviam lançado a versão V-3. Mas no dia da posse de Trump [20 de janeiro], lançaram o V-3 R. Ninguém esperava porque é revolucionário.

Em que sentido?

O R do V-3 R é de “reasoning” [raciocínio, em inglês]. Ele oferece uma linha de raciocínio. Geralmente, o que acontece com IA é: você diz “faça isso, depois faça aquilo” e são criadas hipóteses. O DeepSeek traz uma forma de resolver problemas que é inédita. Oferece um novo campo para solução de problemas em diferentes setores, como a matemática, por exemplo. É uma IA que chega com nível de qualidade muito alto e um valor muito menor que as demais.

Mais barato quanto?

Tem 1/30 do valor do Gemini [do Google], do OpenAI. É algo extremamente barato para os padrões do mercado. Três dias depois do lançamento, foram 120 mil downloads do código [do DeepSeek], e quem faz download é alguém interessado e que entende de IA. Não é gente que vai baixar para ver como é.

Por isso empresas como a OpenAI são tão críticas do DeepSeek?

DeepSeek coloca em xeque a tríade de empresas americanas. Muda a geopolítica de poder da IA de uma vez por todas. Em uma semana, a Europa desapareceu. A China chegou para competir. Não veio para brincar. Tanto que Trump 2 tem um discurso em relação à China bem diferente do Trump 1. É menos de confronto.

E quanto às acusações de que é um código copiado ou que não foi desenvolvido originalmente pelos chineses?

Há muitas teorias circulando. Gente que fala que é uma cópia, que é adaptação, que não é original dos chineses. O que ninguém pode dizer é que não é algo revolucionário. É como Santos Dumont aparecer com o 14 Bis em uma época que todo mundo voava de balões.

As pessoas sabem o que é IA?

Não.

Por que não?

Na prática, a gente tem uma dificuldade muito grande de entender o que é inteligência. É muito difícil você explicar isso para qualquer público. Há um debate sempre muito grande na comunidade científica, desde a neurociência até a inteligência artificial, sobre o que é inteligência. Quando você tenta explicar o que é IA, torna-se difícil para qualquer um entender.

As técnicas, os métodos e os algoritmos por trás são extremamente complexos. Mas, na prática, você não precisa saber o que é. O que você precisa saber sobre essa nova leva de IA online, surgida desde novembro de 2022, é que do outro lado da tela tem alguma coisa com a qual você consegue conversar como se fosse inteligente. É o bastante.

Mas que tipo de inteligência é essa?

Seja lá o que esteja do outro lado [da tela], tem um simulacro de inteligência com uma variedade e uma profundidade imensa de conhecimento que atende aos requisitos da inteligência informacional. Não estamos falando de inteligência social, aquela que temos para fazer redes com outras pessoas, nem de inteligência de autonomia, a nossa capacidade de tomada de decisão.

Você não faz uma prova do Enem sobre socialização nem sobre autonomia. É sobre sua capacidade de processamento, armazenamento e distribuição de informação. Tanto é verdade que, nas provas de Enem, OAB, CRM e suas equivalentes, mesmo nos Estados Unidos, tudo o que é linguístico passa. Se é sobre processamento de informação, o que tem do outro lado [da tela] parece inteligente.

Há empresas e pessoas que têm medo da IA? Elas têm medo do desconhecido?

Elas têm medo do conhecido. Empresas pensam: se eu ficar para trás, como vou fazer para realizar tarefas, não as que eu realizo agora, mas outras que eu nem sei quais são? Pode ser que eu, como empresa, não exista mais. Empresas e pessoas têm apenas a seguinte preocupação: o que a IA vai fazer com o meu futuro? Todos tinham uma previsão de futuro mais ou menos definida, mas agora ficou indefinida.

A estimativa é que, com os modelos linguísticos disponíveis hoje, cerca de 40% de todo o trabalho feito em ambiente de escritório será substituído por IA. Não é que serão substituídas 40% das pessoas, mas, no curto prazo, vai substituir o trabalho de muita gente. O que essas pessoas vão fazer?

Lemos sempre artigos que dizem o que a IA pode fazer em diferentes setores da economia. Seja logística, varejo… E sempre vemos que pode fazer quase tudo.

Inteligência é uma coisa que a gente vem usando, como seres humanos, desde o princípio, para intervir na humanidade. Por exemplo: você pega a noção básica de mobilidade e começa a criar abstrações. Seja no andar, correr, saltar. Como faço isso melhor? Como faço mais rápido? Como gasto menos energia? Nos últimos três quartos de século, usamos inteligência para tentar extrair abstrações.

O que fazemos agora talvez seja a coisa mais arriscada que a humanidade já fez. Abstrair sua própria inteligência criando sistemas com potencial para, em algumas dimensões da inteligência, terem performance superior a dos seres humanos.

Isso não vai soar assustador para muita gente?

Para todo mundo deveria ser assustador. Envolve questões de ética, moral, princípios, governança, riscos, regulação. Mas como todas as coisas tecnológicas de alto impacto que a humanidade faz, não tem mais como colocá-la na caixa. Você não tem mais quatro modelos linguísticos online, Tem 20 mil.

Minha empresa, a TDS, possui modelo linguístico próprio. Não existe isso de: “pessoal, agora vamos parar tudo para pensar no que é isso”. A evolução da tecnologia sempre está na frente da evolução da sociologia, da política, das ciências sociais em geral, antes que elas entendam o que é essa tecnologia, quais os impactos, os riscos e as oportunidades.

E onde o Brasil se situa nisso?

Estamos em uma situação no Brasil em que se cria uma legislação para regular IA, mas a estratégia [do governo] é habilitar IA. Isso traz o risco de termos uma lista do que não pode antes da lista do que deve.

Devemos usar a IA na educação? Sim ou não? Minha resposta é um inequívoco “sim”. As perguntas adicionais são: como? Para quê? Mas se você começa a proibir um bocado de coisa… Claro que há risco em usar IA na educação, mas há risco em usar energia elétrica, riscos em usar a sala de aula. Há risco em tudo.

Se a tendência da IA é se tornar cada vez mais complicada para o usuário comum, não corremos o risco de criar um novo tipo de analfabetismo que vai englobar grande parte das pessoas?

O automóvel, quando surgiu, tornou analfabeto quem sabia guiar uma carroça. Sem políticas públicas de criação de competências e habilidades de alto impacto e em larga escala, serão criados, sim, analfabetos em IA.

O problema é qual porcentagem da população estamos deixando para trás. É razoável deixar 3% ou 4% da população para trás porque não querem ter nada a ver com isso? É razoável. É razoável deixar 15% para trás? Não é razoável. Porque há um conjunto de tecnologias de IA que cria uma nova dimensão da inteligência. Quem sabe o que fazer com isso está multiplicando sua performance em cinco, sete, dez vezes. Isso cria um fosso monumental em quem sabe usar e quem não sabe que existe.

A IA vai abarcar todo conhecimento humano?

É possível pensar isso. É possível pensar que hoje a IA já gera, sozinha, conhecimento que os humanos têm de ler para entender. Você consegue, com uso complexo da IA e focado em pontos específicos, varrer tudo o que já foi publicado, por exemplo, sobre biologia molecular, e apresentar cem projetos em que vale a pena investir e ninguém nunca havia pensado antes. Eu consigo isso. Depois de fazer a pergunta, eu, como humano, tenho de ir lá entender a resposta. A IA cria conhecimento que a gente não criou. Então, a gente tem de aprender com a IA.

Por que as big techs ficaram para trás e estão ainda tentando recuperar terreno contra outras empresas?

Porque uma coisa é publicar um paper dizendo o que é tal coisa. Quem publicou o paper seminal sobre inteligência artificial foi o Google, em 2017, mas agora está correndo atrás. Você não pode descartar um gigante que tem bilhões de dólares em caixa e uma parte significativa desse dinheiro está disponível para investir no futuro. No final desta década, a IA vai agregar no PIB global, por ano, o equivalente ao PIB do Brasil [US$ 2,17 trilhões em 2023].

Se a IA fosse uma novela das 21h, a gente estaria no estágio inicial, aquele em que nem todos os personagens principais foram apresentados. A história nem sequer começou. É a hora de errar, aprender, experimentar, escolher o que fazer. É muita coisa.


RAIO-X | Silvio Meira, 70

Nascido na Paraíba, é cientista, professor, empreendedor, especialista em engenharia de software e inovação. É professor de diferentes instituições, entre elas é associado da Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV (Fundação Getulio Vargas) e emérito no Centro de Informática da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). É presidente do conselho de administração do Porto Digital, um dos maiores parques tecnológicos do país, e de outras empresas. Também faz comentários sobre tecnologia e inovação na Rádio CBN.

O repórter viajou a convite da organização da Expolog

Source link

Assine a nossa newsletter

Receba atualizações e aprenda com os melhores

explore mais conteúdo

aprenda mais com vídeos

você que impulsionar seu negócio?

entre em contato conosco e saiba como

contatos midiapro
small_c_popup.png

Saiba como ajudamos mais de 100 das principais marcas a obter sucesso

Vamos bater um papo sem compromisso!