Os mais misteriosos primos extintos da humanidade sobreviveram durante dezenas de milhares de anos no platô do Tibete, a uma altitude superior a 3.000 metros, e podem ter desaparecido bem depois dos neandertais, indica um novo estudo.
Esses dados se referem aos denisovanos, humanos arcaicos tão enigmáticos que ainda nem receberam um nome científico oficial, embora seu genoma (o conjunto do DNA) tenha sido obtido a partir de raros fragmentos ósseos e dentes.
A nova pesquisa, publicada nesta quarta (3) no periódico especializado Nature, descreve justamente um desses escassos ossos –uma costela. Foi no mesmo sítio arqueológico, a caverna de Baishiya, que os pesquisadores já tinham encontrado uma mandíbula denisovana, descrita em 2019. O local, curiosamente, também é um santuário budista.
Os métodos de datação revelaram que a presença da espécie no local pode ter se estendido até 32 mil anos antes do presente, época em que os humanos anatomicamente modernos, ou Homo sapiens, já tinham se espalhado por quase todo o Velho Mundo e chegado a ilhas da Oceania, como a Austrália. Outras datações indicam uma ocupação inicial da caverna, por parte dos denisovanos, há mais de 150 mil anos.
A nova pesquisa foi liderada por Frido Welker, da Universidade de Copenhague, Dongju Zhang, da Universidade de Lanzhou (China), e Fahu Chen, do Instituto de Pesquisas do Platô Tibetano. A chave para que a equipe conseguisse traçar um retrato bastante completo da vida que os denisovanos do Tibete levavam foi o uso da abordagem ZooMS (sigla inglesa de “zooarqueologia por espectrometria de massa”).
A questão é que, embora a caverna estivesse repleta de ossos de animais e denisovanos, muitos deles estavam muito fragmentados para que fosse possível identificar a espécie a que pertenciam apenas com base em seu formato. Além disso, a extração de DNA não foi possível.
No entanto, o colágeno, proteína dos ossos, ainda estava presente em muitos fragmentos. E, como há diferenças pequenas, mas significativas, na composição química do colágeno entre uma espécie e outra, identificá-las é o suficiente para mapear boa parte dos animais cujos restos mortais estavam na caverna. Isso é feito com a ajuda de uma espécie de “balança” molecular –a espectrometria de massa.
“A ZooMS nos permite extrair informações valiosas a partir de fragmentos ósseos que muitas vezes são desprezados, o que traz uma compreensão mais profunda das antigas atividades humanas”, afirmou Huan Xia, da Universidade de Lanzhou, que também assina o estudo.
Os cacos ósseos analisados com a ajuda do método mostram que os denisovanos consumiam uma grande variedade de animais, de herbívoros de grande porte (rinocerontes-lanosos, cavalos, cabras e bovinos selvagens) a pequenos mamíferos, como marmotas, passando por aves (águias-reais) e até hienas.
“Os denisovanos viveram na região durante duas fases glaciais, mas também num período interglacial mais quente entre elas”, declarou Frido Welker em comunicado oficial. “Juntos, os dados fósseis e moleculares indicam que o local onde está localizada a caverna de Baishiya forneceu um ambiente relativamente estável para eles ao longo desses períodos, apesar da altitude. A questão que surge agora é quando e por que esses denisovanos do platô do Tibete se extinguiram.”
Ainda não há meios de responder a essa última pergunta, mas o que já se sabe é que essa extinção não foi absoluta. Uma pequena parte do DNA desses humanos arcaicos foi herdada por populações da Oceania e da Ásia modernas, e a capacidade de adaptação dos atuais tibetanos à vida em altitudes elevadas também deriva, ao que tudo indica, do material genético denisovano.
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