Nossa espécie, Homo sapiens, surgiu há milhares de anos, na África. Inicialmente, por meio de pesquisas realizadas com o DNA de pessoas vivas, estimava-se que nossos primeiros antepassados permaneceram no continente por bastante tempo, com um pequeno grupo partindo para desbravar o resto do planeta há somente 50 mil anos.
Desde então os cientistas estavam intrigados, tentando entender porque nossa espécie demorou esse tempo todo para deixar a África. Só que, a partir de novos estudos, especialmente o publicado nesta quinta-feira (11) na Science, podemos especular que a linha do tempo anteriormente traçada está errada.
Os novos dados apontam que várias ondas de humanos modernos passaram a migrar para outras áreas da Terra há cerca de 250 mil anos.
Sarah Tishkoff, geneticista da Universidade da Pensilvânia (EUA), afirmou ao The New York Times que “não foi uma única migração para fora da África. Houve muitas migrações para fora da África em diferentes períodos”.
Tishkoff disse ainda que as migrações anteriores tinham passado despercebidas, por isso a lacuna tão grande e um tanto anormal. Segundo a pesquisadora, elas não foram notadas, pois as pessoas que se mudaram há mais tempo não deixaram registro fóssil claro, tampouco os humanos vivos atualmente herdaram seu DNA.
Contudo, os cientistas estão começando a descobrir indícios da primeira leva de Homo sapiens fora da África no DNA de neandertais.
Homo sapiens saiu da África há muito tempo
- Os neandertais, supostamente, surgiram na África, há cerca de 600 mil anos, antes de migrarem para Europa e Ásia;
- Em 2010, o geneticista sueco Svante Paabo, junto aos seus colegas do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária em Leipzig (Alemanha), divulgaram o primeiro rascunho de um genoma neandertal;
- Ele foi reconstruído a partir de fósseis croatas de 40 mil anos;
- Eles descobriram ainda que pessoas vivas, de fora da África, carregam partes do DNA neandertal, assinatura de cruzamento de muito tempo atrás;
- Como lembra o Times, em maio, pesquisadores estimaram que neandertais e humanos modernos cruzaram durante pouco tempo, entre 47 mil e 40 mil anos atrás.
Só que parte do DNA neandertal não se enquadra nessa visão clarificada da situação, pois, por exemplo, o cromossomo Y neandertal se parece mais com o cromossomo Y visto em humanos vivos do que com os demais do genoma neandertal.
Em 2020, outros investigadores tentaram explicar o motivo. Segundo eles, os neandertais machos herdaram novo cromossomo Y dos humanos entre 370 mil e 100 mil anos atrás, contudo, tal teoria só poderia se mostrar verdadeira caso uma onda de africanos tivesse viajado para fora de seu continente bem antes das estimativas anteriores.
Recentemente, foram encontradas, nos genomas de africanos vivos, evidências dessa primeira leva de migração.
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Tishkoff e pares compararam o genoma presente no fóssil de um neandertal de 122 mil anos com os de 180 pessoas de 12 populações africanas distintas. Vale salientar que estudos passados não acharam sinais de DNA neandertal nos genomas africanos.
Mas o grupo de Tishkoff obteve pequenos pedaços de DNA que se assemelham ao dos neandertais em quase todas as 12 populações estudadas. Ao examinarem o tamanho e a sequência dos fragmentos genéticos encontrados, eles concluíram que os neandertais os herdaram dos africanos originais.
Portanto, uma onda inicial de africanos deixou o continente rumo à Europa ou à Ásia há cerca de 250 mil anos e cruzou com os neandertais.
Por sua vez, um grupo de pesquisadores liderado pelo professor de genômica na Universidade de Princeton (EUA), Joshua Akey, utilizou abordagem diferente para analisar a questão.
Após compararem genomas de duas mil pessoas de todo o mundo com três genomas neandertais, acabaram chegando à mesma conclusão que a equipe de Tishkoff.
O relato de Akey e colegas liberado na quinta-feira (11) aponta que os humanos modernos deixaram a África e cruzaram com os neandertais entre 200 mil e 250 mil anos atrás.
Contudo, eles também encontraram evidências de outra leva inicial de humanos. Quando compararam os genomas de fósseis neandertais jovens e mais velhos, chegaram à conclusão que outro grupo deixou o continente entre 120 mil e 100 mil anos atrás.
Ao Times, a paleoantropóloga da Universidade de Tubinga (Alemanha), Katerina Harvati, afirmou que alguns fósseis humanos peculiares encontrados na Europa e no Oriente Médio podem pertencer a tais ondas. “Estamos começando a ver essa realidade mais complicada no registro fóssil”, disse a pesquisadora, que não participou dos estudos.
Em 2019, ela e seus colegas citaram um fragmento de crânio grego, com 210 mil anos, que possui algumas características da anatomia humana moderna.
Já Akey e sua equipe indicou que a segunda leva de africanos pode ter chegado a Israel, tendo, como base, que paleoantropólogos acharam fósseis de aparência moderna e ferramentas de pedra em cavernas israelenses datadas entre 100 mil e 130 mil anos atrás.
O professor de genômica pontuou que as descobertas sugerem que houve outras ondas de migração humanas que ainda não descobrimos. “Isso sugere que houve repetidas dispersões africanas por grande parte da história humana”, salientou.
John Hawks, paleoantropólogo da Universidade de Wisconsin (EUA) afirmou ao Times que “tem que haver algo de diferente” nas pessoas da última onda de migração africana, pois as migrações iniciais, aparentemente, fracassaram.
Para ele, é possível que as populações africanas desenvolveram conhecimento cultural suficiente para a criação de ferramentas, como flechas, bem como para se adaptar a lugares distintos com maior facilidade do que seus antepassados.
Harvati, da Universidade de Tubinga, também questionou a hipótese de as primeiras levas humanas terem lutado com os neandertais por terra e comida. Contudo, estudos da equipe de Akey e outros apontam que os neandertais estavam diminuindo na época na qual a última onda humana surgiu, algo que pode ter dado vantagem aos humanos.