Quando Frank Pine buscou no Google o link para uma reportagem dois meses atrás, recebeu parágrafos gerados por inteligência artificial (IA) sobre o tema no topo dos resultados. Para ver o que ele queria, teve de rolar a tela para baixo desses trechos.
Essa experiência incomodou Pine, editor executivo do Media News Group and Tribune Publishing, que tem 68 jornais espalhados pelos Estados Unidos. Esses parágrafos, agora, o amedrontam.
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Em maio, o Google anunciou que resumos gerados por IA generativa, que compila conteúdo retirado de sites de notícias e de blogs no topo da busca por um tema, seriam apresentados na ferramenta para todos os usuários nos EUA.
E essa mudança deixou Pine e diversos outros executivos do setor de mídia temendo que esses parágrafos representem um grande perigo para seu modelo de negócio, reduzindo o volume de tráfego originado no Google em seus sites.
— Em potencial, isso sufoca os criadores originais de conteúdo — afirmou Pine.
A ferramenta, AI Overviews (que pode ser traduzido como “resumos de IA”), é vista como mais um passo em direção a uma IA generativa que substituirá “as publicações que elas canibalizaram”, acrescentou Pine.
O jogo dos seis erros da inteligência artificial
Os erros da IA
Executivos do setor de mídia afirmam em entrevistas que o Google os deixou em posição incômoda. Eles querem que seus sites estejam listados nos resultados de buscas do gigante de tecnologia, o que, para alguns deles, pode originar metade de seu tráfego total.
Mas fazer isso significaria que o Google pode usar o conteúdo produzido por esses veículos nos resumos feitos com a ferramenta de inteligência artificial.
Os editores também poderiam tentar proteger seu conteúdo desse uso pelo Google proibindo o rastreador da empresa da Alphabet de compartilhar qualquer trecho de conteúdo retirado dos sites deles. Os links para esses conteúdos, porém, seriam exibidos sem qualquer descrição, tornando as pessoas menos propensas a clicar neles.
Outra alternativa — recusar-se a ser indexado pelo Google, não aparecendo em seu mecanismo de busca — poderia ser fatal para seus negócios, afirmou Pine.
— Não podemos fazer isso. Ao menos não agora — disse Renn Turiano, head de Produto da Gannett, maior editora de jornais dos Estados Unidos.
Impacto a consumidores e empresas
No entanto, o AI Overviews “é altamente prejudicial a todos, com exceção do Google, mas especialmente para os consumidores, pequenos editores e empresas grandes e pequenas que usam resultados de suas buscas”, complementou.
Liz Reid, vice-presidente de Buscas do Google, disse em uma entrevista antes da implementação do AI Overviews que havia sinais positivos para os editores durante os testes.
— Nós continuamos a ver que as pessoas frequentemente clicam nos links nos resumos e os exploram — declarou ela, destacando que um site que aparece no AI Overviews obtém mais tráfego do que aqueles que eram exibidos com apenas um link azulado na busca tradicional.
Na última quinta-feira, Liz Reid postou em um blog que o Google iria limitar a nova funcionalidade, AI Overviews, a um conjunto menor de resultados de busca, depois de a ferramenta ter produzido erros grosseiros. Ela acrescentou, porém, que a companhia continua comprometida com a melhora do sistema.
Os resumos feitos com IA generativa são a mais recente zona de tensão entre as big techs e editores. O uso de artigos e reportagens de sites de notícias também deu início a uma disputa legal* sobre se companhias como a OpenAI, dona do ChatGPT, e o Google violaram a lei de direitos autorais ao utilizarem, sem permissão, conteúdo da mídia para construir suas ferramentas de IA.
O jornal The New York Times abriu um processo contra a OpenAi e sua parceira Microsoft, em dezembro, alegando violação de direitos autorais relacionados ao treinamento e à manutenção de sistemas de IA. Sete jornais do Media News Group and Tribune Publishing, incluindo o Chicago Tribune, abriram ação similar contra essas mesmas companhias de tecnologia. OpenAI e Microsoft negam qualquer irregularidade.
*Assim como o NYT, a Editora Globo, que publica O GLOBO, Extra e Valor, também tomou a decisão editorial de não permitir o acesso a seu conteúdo por ferramentas de inteligência artificial.
A ferramenta AI Overviews do Google é o esforço mais recente da companhia para se equiparar às rivais Microsoft e OpenAI na corrida da inteligência artificial.
Há mais de um ano, a Microsoft colocou a IA generativa no centro de seu mecanismo de busca, o Bing. O Google, com medo de mexer na sua galinha dos ovos de ouro, de início optou por um caminho mais cauteloso.
A companhia, porém, anunciou avanços mais agressivos para sua ferramenta de IA em sua conferência anual de programadores, em meados de maio: até o fim do ano, mais de um bilhão de pessoas terão acesso à nova funcionalidade de busca.
Veja imagens criadas por O GLOBO com ajuda do Midjourney, site de inteligência artificial
O AI Overviews combina declarações geradas por modelos de inteligência artificial com trechos de conteúdos de links ativos na internet. Os resumos frequentemente contêm extratos vindos de uma multiplicidade de sites, citando fontes e fornecendo respostas completas, que dispensam o usuário de clicar em outras páginas.
Muitos editores afirmaram que o lançamento deixou clara a necessidade de desenvolver um relacionamento direto com os leitores, incluindo atrair mais pessoas a fazerem assinaturas digitais e a visitarem os sites e aplicativos diretamente, a fim de se tornarem menos dependentes de mecanismos de busca.
Nicholas Thompson, CEO da revista The Atlantic, disse que sua publicação está investindo em todas as áreas nas quais tenha uma relação direta com seus leitores, como newsletters enviadas por e-mail.
Jornais como The Washington Post e The Texas Tribune recorreram a uma startup de marketing, a Subtext, que ajuda as empresas a se conectarem com assinantes e outros públicos por meio de mensagens de texto.
O CEO da Subtext, Mike Donoghue, disse que as empresas de mídia não buscam mais as grandes audiências, mas tentam manter seus principais usuários engajados. Um de seus clientes, o New York Post, permite que seus leitores troquem mensagens com repórteres de esportes como um benefício exclusivo para assinantes.
Direitos autorais em discussão
Há ainda a disputa em relação a direitos autorais. Houve uma reviravolta inesperada quando a OpenAI, que eliminou sites de notícias ao construir o ChatGPT, começou a fechar acordos com editores. Disse que pagaria as companhias, incluindo a agência Associated Press, a revista The Atlantic e o conglomerado News Corp., dono do Wall Street Journal, para acessar o conteúdo produzido por estes.
Mas o Google, cuja tecnologia de anúncios ajuda as editoras a fazerem dinheiro, ainda não assinou acordos desse tipo. A gigante da internet vem resistindo aos apelos para compensar as empresas de mídia por seus conteúdos, argumentando que esses pagamentos iriam contra a natureza da internet aberta.
— Você não pode optar por deixar o futuro, e esse é o futuro — disse Roger Lynch, CEO da Condé Nast, que tem entre as suas revistas títulos como a revista Vogue. — Não estou discutindo quando isso vai acontecer ou se deveria acontecer, apenas que isso deveria acontecer em termos que vão proteger criadores de conteúdo.
Lynch diz que as buscas continuam a ser “a força vital e a maior parte do tráfego” para as editoras e sugere que a solução para suas demandas poderia vir do Congresso. Ele pediu aos parlamentares que deixem claro que o uso de conteúdo autoral para treinar IA não é justo sob a atual lei de direitos autorais e demanda uma taxa de licenciamento.
Thompson, da revista The Atlantic, que anunciou um acordo com a OpenAI na última quarta-feira, ainda deseja que o Google também remunere as editoras. Ele disse que, antes do lançamento do AI Overviews, apesar das preocupações da indústria, a Atlantic queria ser parte da nova ferramenta “o máximo possível”.
— Sabemos que o tráfego vai cair enquanto o Google faz essa transição — ele disse. — Mas acho que fazer parte do novo produto vai ajudar a minimizar essa queda.
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