Um estudo da OpenAI revelou que o treinamento de um grande modelo de linguagem natural como o GPT-3 consumiu aproximadamente 1.300 megawatts-hora (MWh) de eletricidade, o equivalente ao consumo anual de 130 casas nos Estados Unidos. Além disso, a energia necessária para uma simples pesquisa no Google consome cerca de 0,3 Wh, e se a mesma ação fosse solicitada ao ChatGPT da versão gratuita (ChatGPT-4o mini) esse consumo seria extrapolado para 2,9 Wh por busca. No entanto, até o momento, ainda não se sabe qual seria o consumo energético da recente funcionalidade “SearchGPT” integrada, no final de outubro de 2024, somente às versões pagas e ilimitadas mais recentes (GPT-4, GPT-4o, GPT-4o mini e GPT-4o preview).
Além da criação de textos, os modelos de IAgen atualmente disponíveis no mercado (ChatGPT-4o, Meta AI, Midjourney, Gemini AI etc.) têm sido utilizados para gerar imagens, músicas, vídeos e até códigos de software altamente complexos, e cada uma dessas atividades consome volumes consideráveis de energia elétrica. A criação de uma imagem em alta definição com IAgen, por exemplo, pode consumir até 1,35 kWh, o que equivale a recarregar um smartphone completamente cerca de 100 vezes. A música gerada por IAgen, que exige a integração de algoritmos complexos para a combinação de padrões rítmicos e harmônicos, também demanda energia elétrica substancial, especialmente durante o treinamento dos grandes modelos de linguagem natural embarcados. Da mesma forma, a geração de código por IA, amplamente utilizada por desenvolvedores, envolve cálculos intensivos que resultam em maior consumo energético devido à necessidade de imenso poder computacional.
Estudos europeus e norte-americanos têm chamado a atenção para esse consumo exacerbado. Um relatório do MIT Climate & Sustainability Consortium apontou que a expansão da IAgen coloca uma pressão crescente sobre as redes de geração e transmissão de energia elétrica, especialmente em países com infraestruturas mais vulneráveis. Na Europa, o uso de energias renováveis para suprir essa demanda enfrenta os desafios da intermitência e da sazonalidade, enquanto nos Estados Unidos da América, a solução que se vislumbra pode estar em uma combinação de fontes limpas, como o hidrogênio verde e a energia nuclear. O debate sobre a viabilidade dessas soluções está no centro das discussões acadêmicas internacionais, já que o crescimento do uso de IAgen sem uma abordagem sustentável pode comprometer metas globais de reduções de emissões de gases de efeito estufa (GEE).
A introdução dessas novas tecnologias de IAgen intensifica ainda mais a necessidade de fontes energéticas estáveis, colocando a energia nuclear no centro de um debate global. Na Europa, onde a dependência de fontes renováveis é alta, alguns especialistas e grupos de interesse defendem a energia nuclear como uma opção de base confiável, capaz de compensar a intermitência e a sazonalidade da energia eólica e solar fotovoltaica. No entanto, essa solução não é isenta de controvérsias: questões como os riscos associados a acidentes nucleares, os desafios no descarte de resíduos radioativos e os custos elevados de implantação geram preocupação tanto em nível ambiental quanto social. Nos Estados Unidos, o crescimento dos data centers e a crescente demanda computacional impulsionada pela IAgen também têm alimentado discussões acaloradas sobre como fornecer energia suficiente de maneira sustentável, sem agravar as emissões de carbono. Nesse contexto, a energia nuclear surge como uma alternativa estratégica, mas seu papel continua a dividir opiniões, levantando dúvidas sobre segurança, sustentabilidade e viabilidade econômica em um mundo que busca soluções energéticas mais equilibradas.
O desafio da intermitência e sazonalidade das energias renováveis
A evolução mundial no desenvolvimento de energias sustentáveis tem sido marcada por avanços significativos em fontes como a eólica e a solar fotovoltaica, com o Brasil desempenhando um papel de destaque no cenário das energias renováveis onde a energia hidroelétrica possui um papel central sendo responsável por cerca de 60% da matriz elétrica nacional. Esses avanços estão alinhados aos critérios e objetivos de ESG (Environmental, Social, and Governance) fundamental para atingir o tripé da sustentabilidade (ambiental, social e econômico), priorizando o uso de energias limpas e acessíveis, além de garantir impactos sociais e econômicos positivos.
No entanto, dois dos grandes desafios das energias eólica e solar fotovoltaica são a intermitência e a sazonalidade, ou seja, sua dependência de fatores naturais para gerar eletricidade. A intermitência e a sazonalidade referem-se à variabilidade de geração de energia que ocorre porque a fonte de energia — vento ou luz solar — não estão disponíveis de maneira constantes ao longo do dia ou no decorrer das diferentes estações do ano, respectivamente. Sabidamente, a energia eólica depende de um regime de ventos regulares, e a solar fotovoltaica, de dias ensolarados.
Essas características afetam a confiabilidade das redes energéticas, principalmente em situações de infraestrutura de alta demanda, como as dos data centers, que são consumidores intensivos de eletricidade e requerem uma fonte de energia estável e contínua para evitar interrupções nas suas operações que ocorrem 24 horas por dia. Para setores como o de tecnologia, onde a IAgen amplia exponencialmente o consumo de eletricidade, a intermitência e sazonalidade das fontes renováveis pode comprometer a segurança energética e a estabilidade técnica operacional.
A falta de previsibilidade no fornecimento de energia eólica e solar fotovoltaica exige que sejam utilizados mecanismos de compensação para garantir que a demanda seja atendida, como o uso de baterias de armazenamento e capacitores elétricos em larga escala. Contudo, essas soluções enfrentam sérios obstáculos técnicos, financeiros e ambientais. As baterias de íon de lítio, amplamente utilizadas, são caras e têm uma vida útil limitada, o que requer investimentos contínuos em manutenção e substituição. Além disso, o impacto ambiental da extração dos minerais críticos necessários para a fabricação dessas baterias, como lítio e cobalto, gera preocupações ambientais e sociais significativas, desafiando os critérios de ESG e o compromisso com a sustentabilidade.
A energia nuclear como fonte de base estável de eletricidade
A energia nuclear, embora cercada de polêmica, tem sido amplamente debatida como potencial solução de base estável para o crescente consumo energético impulsionado pela IAgen. Sua capacidade de fornecer eletricidade contínua e previsível é frequentemente destacada como um grande diferencial em comparação às fontes renováveis, como a eólica e a solar fotovoltaica, que sofrem com a intermitência e a sazonalidade. Essa característica faz da energia nuclear uma opção atraente para setores econômicos que exigem um fornecimento ininterrupto, como os data centers que dependem da IAgen e da computação em nuvem para processar vastos volumes de dados de maneira constante.
Os benefícios da energia nuclear são evidentes em termos de estabilidade e baixa emissão de carbono. Ao contrário das fontes de combustíveis fósseis, como o carvão e o gás natural, a geração de energia nuclear não emite diretamente GEE, o que contribui positivamente para os critérios de ESG e as metas de sustentabilidade. Além disso, a energia nuclear tem uma densidade energética muito maior em comparação às fontes renováveis, permitindo que pequenas quantidades de combustível nuclear forneçam grandes volumes de eletricidade por longos períodos. Esse fator torna a energia nuclear uma solução de base eficiente para complementar a produção de energia renovável, suprindo a demanda quando as fontes eólicas e solares fotovoltaicas não conseguem atender por conta da intermitência e da sazonalidade.
No cenário global, a energia nuclear representa cerca de 14% da eletricidade gerada, desempenhando um papel estratégico em países como França e Estados Unidos. No entanto, o debate sobre sua adoção é complexo e repleto de controvérsias: enquanto alguns segmentos defendem seus benefícios em termos de estabilidade e baixas emissões de carbono — já que a geração nuclear não libera diretamente GEE — outros apontam para os riscos inerentes, como os desastres nucleares passados, os desafios de armazenamento de resíduos radioativos, e os elevados custos de implantação e manutenção.
Apesar de seus benefícios, a utilização da energia nuclear continua a gerar preocupações significativas, especialmente em relação aos riscos tecnológicos que ela envolve. O temor público em torno dessa forma de energia é amplamente influenciado por pelo menos três grandes acidentes nucleares que marcaram a história recente: o acidente de Three Mile Island, nos Estados Unidos, em 1979; Chernobyl, na União Soviética em 1986; e Fukushima, em 2011. Cada um desses desastres trouxe à tona a vulnerabilidade das usinas nucleares, seja por eventos naturais catastróficos, falhas técnicas e/ou humanas. Em particular, o acidente de Fukushima, no Japão, destacou a importância de avaliar cuidadosamente a segurança das instalações nucleares, especialmente em regiões sujeitas a riscos ambientais severos.
Essas tragédias deixaram uma marca duradoura na percepção pública, levando muitos países a reavaliarem ou até mesmo reduzir o papel da energia nuclear em suas políticas energéticas, mesmo quando essa tecnologia oferece vantagens em termos de estabilidade e baixa emissão de carbono.
No Brasil, a conclusão da usina Angra 3 é frequentemente apresentada como uma possível solução para complementar a matriz energética nacional, especialmente em setores industriais que demandam alta intensidade em eletricidade. No entanto, essa proposta é cercada de incertezas: questões sobre a segurança das instalações, os elevados custos financeiros e os possíveis impactos sociais de longo prazo continuam a alimentar o debate. Portanto, mesmo com a alta densidade energética que permite à energia nuclear fornecer grandes quantidades de eletricidade com pequenas quantidades de combustível, o uso dessa tecnologia permanece controverso. A busca por um futuro energético equilibrado e sustentável exige uma análise cuidadosa das alternativas, equilibrando a necessidade de fontes estáveis com as preocupações sociais e ambientais.
O papel das Big Techs e o futuro energético brasileiro
As grandes empresas de tecnologia, como Google e Microsoft, lideram o desenvolvimento de data centers de grande porte para atender à crescente demanda da IAgen. Esses centros consomem quantidades massivas de eletricidade, exigindo fontes de energia que sejam não apenas estáveis, mas também cada vez mais limpas. Em resposta, essas empresas têm investido substancialmente em energias renováveis, como a solar fotovoltaica e a eólica, em um esforço para mitigar suas pegadas de carbono. O Google, por exemplo, tem a meta de operar inteiramente com energia renovável em seus data centers, enquanto a Microsoft planeja ser carbono negativo até 2030. Contudo, apesar desses compromissos ambientais, o uso intensivo da IAgen continua a demandar volumes cada vez maiores de energia, desafiando as metas de sustentabilidade estabelecidas por essas corporações. A dependência exclusiva de energias renováveis, devido à sua intermitência e sazonalidade, muitas vezes se mostra insuficiente, levando as empresas a considerarem alternativas mais estáveis.
Nesse cenário, as big techs estão começando a explorar soluções inovadoras, como os Small Modular Reactors (SMRs). Esses pequenos reatores nucleares modulares são projetados para fornecer energia de forma mais flexível e com menor impacto ambiental em comparação aos reatores nucleares tradicionais. A Microsoft, por exemplo, está avaliando o uso de SMRs para abastecer seus data centers, uma vez que essa tecnologia promete uma fonte de energia constante e de baixo carbono. No entanto, essa proposta não é livre de controvérsias. A implementação de SMRs envolve riscos tecnológicos e ambientais significativos, incluindo o gerenciamento complexo de resíduos nucleares e o potencial de acidentes. Além disso, o planejamento para a instalação de SMRs em áreas urbanas densamente povoadas, como Rio de Janeiro ou São Paulo, exigiria medidas de segurança rigorosas para prevenir consequências catastróficas em caso de falhas. Assim, embora os SMRs possam ajudar a reduzir a dependência de combustíveis fósseis e de fontes renováveis intermitentes, eles também trazem desafios que precisam ser cuidadosamente considerados no contexto das metas de sustentabilidade global.
Em uma cidade densamente povoada como São Paulo, a instalação de um data center alimentado por SMRs apresentaria desafios consideráveis. A proximidade com áreas residenciais e comerciais exigiria medidas de segurança excepcionais, além de um sistema rigoroso e confiável para a fiscalização da gestão de resíduos nucleares. No Brasil, a responsabilidade por assegurar a gestão segura de todo o ciclo de vida do combustível nuclear, incluindo o armazenamento final dos rejeitos, recairia sobre a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que precisaria garantir o cumprimento das normas internacionais de segurança. A questão do armazenamento de resíduos radioativos continua sendo um dos maiores entraves para a adoção dessa tecnologia, uma vez que esses materiais permanecem perigosos por milhares de anos, representando riscos a longo prazo.
Além disso, a implementação de SMRs exigiria supervisão contínua e rigorosa da CNEN e de outras autoridades competentes para assegurar que o Brasil adote os melhores padrões internacionais de segurança nuclear. Esse nível de fiscalização é ainda mais crítico considerando os desafios já enfrentados pelo país na gestão de resíduos em outros setores. A infraestrutura de segurança precisaria ser robusta e abrangente, monitorando desde a operação ininterrupta dos reatores até a movimentação e destinação adequada dos resíduos nucleares. Qualquer falha nesse processo poderia ter impactos devastadores, tanto ambientais quanto sociais, comprometendo a segurança pública e afetando negativamente a reputação das big techs que optarem por essa solução. Assim, o debate sobre o uso de SMRs em grandes centros urbanos requer uma análise cuidadosa e uma abordagem preventiva que minimize riscos e proteja as comunidades locais.
Oportunidades e desafios para suprir as demandas energéticas da IAgen no Brasil
Embora o Brasil tenha uma matriz elétrica predominantemente renovável, eventos climáticos extremos, como secas prolongadas, têm afetado a capacidade de geração das hidrelétricas nacionais, tornando a gestão energética um desafio crescente. As mudanças climáticas aumentam a imprevisibilidade dessas fontes, exigindo uma estratégia robusta para garantir a segurança energética. Apesar de alguns segmentos econômicos defenderem a energia nuclear como uma alternativa estável, especialmente em períodos de escassez hídrica, é fundamental considerar soluções mais sustentáveis e seguras.
Os desafios da intermitência e sazonalidade das energias renováveis, como a eólica e a solar fotovoltaica, são inegáveis. No entanto, tecnologias emergentes, como o armazenamento de energia em baterias e capacitores de larga escala, oferecem caminhos promissores, assim que seus custos sejam atenuados. O aumento do parque tecnológico de energias renováveis, combinado com a integração da inteligência artificial para otimizar a gestão da matriz elétrica nacional, pode fornecer uma solução mais eficaz e ambientalmente responsável. A inteligência artificial, por exemplo, pode ajudar a prever padrões de geração e consumo, melhorando a eficiência energética e reduzindo a necessidade de recorrer a fontes poluentes ou de alto risco socioambiental.
Além disso, o Brasil tem a oportunidade de se consolidar como um hub global para data centers, utilizando sua matriz energética limpa como um diferencial competitivo. Com investimentos contínuos em energias renováveis e inovação, o país pode atrair grandes empresas de tecnologia, avançar em suas metas de sustentabilidade e minimizar os impactos ambientais. A expansão da energia nuclear por meio de novas usinas ou a proliferação de SMRs em grandes centros urbanos não parece ser a melhor solução, especialmente quando pesamos os riscos tecnológicos, os desafios de segurança e os custos envolvidos.
Portanto, um futuro energético sustentável e seguro para o Brasil requer políticas que priorizem o desenvolvimento e o aprimoramento de soluções renováveis. A combinação de armazenamento avançado, inteligência artificial e um parque tecnológico robusto apresenta uma alternativa viável e menos arriscada, atendendo às demandas crescentes da IAgen sem comprometer a segurança da sociedade ou ao meio ambiente.
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