“Era um mercado quase de alucinação”, diz especialista em inovação sobre efeito fura-bolha da DeepSeek

"Era um mercado quase de alucinação", diz especialista em inovação sobre efeito fura-bolha da DeepSeek

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Fernando Tiegs / Divulgação
Igreja vê mercado “questionado com parâmetros mundanos”.

Autor do livro Conveniência é o Nome do Negócio, Arthur Igreja é um convidado frequente de eventos sobre inovação e tecnologia. Estima participar de cerca de 150 ao ano, como TEDx em Brasil, Europa, Estados Unidos e América do Sul. Catarinense de nascimento, vive em Curitiba mas diz que Porto Alegre seria sua escolha caso precisasse de mudar. Sua atividade o obriga  a seguir de perto as transformações que estão mudando o mundo, como a ascensão da DeepSeek e a possibilidade de ter furado a bolha das big techs.

DeepSeek é uma surpresa mesmo?

A empresa não é nova. Já tinha lançado o modelo em 2023. A questão é que era uma coisa muito incipiente até agora. O modelo novo lançado no dia 20 de janeiro, depois de uma série de testes, é  muito parecido ou até supera o ChatGPT. É como quando apareceu o ChatGPT, em 2020. Todo mundo falava de IA. Agora, em 2025,  tem quase 4 bilhões de acessos por mês. É uma empresa gigante, em que todo mundo está colocando dinheiro. E de repente, aparece um genérico chinês por uma fração do preço. O grande baque foi a diferença de custo abissal, a diferença de investimento monstruosa. Foi por isso que todo mundo ficou chocado. As ações da Nvidia não paravam de subir, a ponto de se tornar uma empresa de mais de US$ 3 trilhões. Até que aparece a DeepSeek.

A Microsoft disse estar investigando se a DeepSeek usou dados da OpenAI. Vai longe?

É uma reação razoavelmente natural. A OpenAI é pioneira, virou sinônimo de IA generativa. O ChatGPT virou a Gillette do negócio. Imaginar que faria algo do nada é até meio ingênuo. Essa é a dinâmica normal do mercado. Tem o pioneiro, e depois as empresas que vão pelos atalhos. Os chineses se inspiram, melhoram, chegam depois, mas rápido. E nesse mundo de tecnologia, tem as chamadas APIs. Você consegue conectar para plugar um outro software. A acusação da Microsoft e da OpenAI é de que a DeepSeek teria feito destilação, ou seja, teria conectado no ChatGPT e feito interações para ver como responde. É como se eu quisesse desenvolver uma suspensão automotiva, alugasse um carro de outra marca para ver como responde e fizesse um projeto em cima dessas informações. Para mim, pesa muito a primeira reação de Sam Altman, da OpenAI. Ele disse que o que a DeepSeek fez é louvável, notável, traz frescor para o mercado e faz a OpenAI ter de trabalhar mais. Achei uma resposta digna.

Resultará em algo coisa?

É difícil. Dada a velocidade da corrida, o que a Microsoft poderia fazer é acionar câmaras de arbitragem internacional, como a Wipo (Organização Mundial da Propriedade Intelectual). Mas são processos que levam anos. A OpenAI ganha o processo daqui a quatro anos, mas daqui essa tecnologia pode ter se tornado irrelevante. Para o mercado, se eles vão nessa direção, é porque acusaram o golpe. A resposta da OpenAI vai ter que ser trazer um negócio não copiável, já que eles têm bilhões e os melhores profissionais do mundo. Agora, é mostrar força bruta e rapidez. Entrar na Justiça parece mais sinal de fragilidade do que qualquer outra coisa.

O Alibaba diz que ter outro software melhor do que o da DeepSeek. É fato?

Eles mostraram o modelo. Não é blefe, porque dá para você fazer um milhão de testes e muito rapidamente. Muita gente também me perguntou se o negócio da DeepSeek é verdade. É código aberto, dá para testar. Se não entregasse, dava para descobrir em cinco minutos. O Alibaba, na China, é muito maior do que a OpenAI. É uma big tech. Uma empresa desse tamanho não pode blefar. O que querem mostrar é que estão na corrida. A reação do Alibaba é muito parecida com a do Google. Quando o ChatGPT apareceu, em 2022, todo perguntou onde estava o Google. E o Google, um tempo depois, falou que estava trabalhando, que não estava parado. É a grande empresa ameaçada por uma startup.

Isso pode ser um furo de bolha?

Não dá para imaginar o que é uma empresa cair 17% num dia (queda da Nvidia no DeepSeek Day). Se voltarmos cem anos, é como se uma fábrica com cinco linhas de produção tivesse uma bombardeada. Óbvio que é exagerado, tanto que no dia seguinte as ações reagiram. É o primeiro momento que esse mercado está sendo questionado com parâmetros mundanos. Antes, era mais baseado em previsões. A Nvidia vale tanto porque, dentro do mercado dos datacenters, onde roda IA, tem mais de 95% de participação de mercado. Vale tanto porque é a única que sabe fazer esse negócio. É como se explodisse no mundo um negócio chamado smartphone, mas só a Apple faz. Então, óbvio que é a mais valiosa. Mas aparece alguém que faz muito barato, e o mundo começa a falar: será que vai precisar tanta placa assim? Será que a Nvidia vai vender tanto? É revisão de expectativa futura. O Nassim Taleb disse que foi uma trincada no vidro. Essas empresas não eram questionadas, era um mercado quase de alucinação. Então, é saudável. As pessoas achavam que era um mercado com cartas marcadas, com os competidores definidos, mas essa história está só no começo. É óbvio que vão aparecer empresas novas.

Como a geopolítica contagia ou facilita esse cenário, já que envolve a China?

É uma guerra frontal. Se todo mundo está falando que é essa a tecnologia do presente e do futuro, os dois países estão em franco choque.  São as duas potências do mundo hoje. Então, é mais uma dimensão em que estão brigando.

O governo chinês tem influência nesse programa de desenvolvimento?

Total. Eles vêm fazendo investimentos colossais em IA. As pessoas ficam um pouco surpresas com a China. Mas se você olhar o número de engenheiros nas áreas exatas, a China lidera há muito tempo. No caso de número de patentes em IA, a China lidera com uma folga monumental. Há capital humano, investimento, faculdades, fomento para startups. A DeepSeek é consequência desse ambiente, que não se cria do dia para a noite. Uma hora ia aparecer. Se não fosse a DeepSeek, ia ser uma outra ali do lado. O que eu quero dizer é que e seria muito esquisito se acontecesse no Brasil (risos, para não chorar).

É fato que a DeepSeek é resultado da restrição do governo dos EUA de venda de chips para a China?

Superdifícil, porque teve um empreendedor chinês disse a uma TV americana que existem 50 mil placas escondidas na China, compradas antes do embargo. Também saiu uma notícia que teve um vazamento de documentos, supostamente da DeepSeek, apontando que estariam usando chips japoneses. Circulam todas as teorias possíveis e imagináveis. Se você me perguntar se dá para cravar qual chip estão usando, a resposta categórica é não. Mas  conseguiram fazer um negócio como o da OpenAI. Se estão usando placas piores, o tamanho do feito é maior ainda.

O que vai ser dessa briga daqui para frente? Tem o tamanho de um “efeito Sputnik”?

É a corrida da nossa década. E tem outras perspectivas de comparação. Se você pegar lá os US$ 500 bilhões que foram anunciados lá no projeto Stargate e atualizar a moeda, é comparável ao Programa Apolo, ao Projeto Manhattan, do desenvolvimento da bomba atômica. Se você colocar em perspectiva do tamanho da prioridade nacional, a metáfora é aceitável. Os EUA foram pegos de calça curta, como ocorreu com a Sputnik em 1957. Os soviéticos, numa série de parâmetros, foram os primeiros.

A OpenAI vai dobrar a aposta ou pode focar em buscar um custo menor?

Existe um vídeo do Sam Altman na Índia, do ano passado. Quando termina a palestra e abre para perguntas, uma pessoa levanta a mão e fala: ‘no primeiro modelo, vocês gastaram US$ 100 milhões. O que impede de alguém aqui na Índia tentar fazer isso com US$ 10 milhões?’. E ele dá uma risada e fala: ‘essa hipótese é patética’. Então, a OpenAI certamente, depois da segunda-feira, deve ter tido uma série de reuniões para entender que estava com certa soberba.

A OpenAI passou por várias mudanças na governança que reduziram sua transparência. Isso pesa? 

A OpenAI já passou por tantos arranjos que, na verdade, não dá para saber o que vai ser em dois ou três anos. Nasceu sem fins lucrativos, depois decidiu buscar lucro, depois cria um segundo braço, mas um está subjugado a um conselho. É uma loucura. Além de confuso, muda a cada seis meses. Isso pode trazer queda de velocidade.

A ferramenta da DeepSeek é que tem código aberto, e o ChatGPT, não. Qual a vantagem?

As pessoas pensam que código aberto é a empresa fazer caridade. Não é isso. Código aberto é publicar o que está fazendo, mas protegido pelos termos de exploração comercial. Pode usar o código da DeepSeek para fazer pesquisa, desenvolvimento, criar complementos. É como se fizesse um motor para carro e publicasse todos os projetos. Só que se uma outra fábrica produzir esse motor no Brasil, tem que pagar para DeepSeek. Mas uma empresa no Brasil poderia olhar e pensar ‘esse tipo de filtro que a DeepSeek vai precisar, eu sei fazer’. Acelera muito a criação de ecossistema em volta, de parceria. No caso da OpenAI ou de qualquer empresa de tecnologia fechada, é mais difícil fazer negócio, porque interage com uma caixinha preta.

Sam Altman é signatário de manifesto alertando para o risco da inteligência artificial sobre o futuro da humanidade. Qual efeito?

Não serve para nada. Talvez ajude o Sam Altman a dormir melhor. O Elon Musk fez todo aquele escândalo falando que teríamos de parar de desenvolver IA por seis meses. Todo mundo deu de ombros e, três semanas depois, anunciou o Grok, a IA dele. Não era para parar seis meses? Esses caras são extremamente contraditórios.

O que a IA pode significar, afinal, para a humanidade?

A camada que a gente está vendo agora é inofensiva. Estamos gerando imagem, texto. Há cerca de uma semana, a OpenAI anunciou uma parceria para fazer a pesquisa de síntese proteica para desenvolvimento de medicamentos. Houve um grupo que pediu ao DeepSeek ajudar a criar vírus pra computador, e ajudou. Vamos começar a ter uma infinidade de questões éticas e morais a partir desse uso. Então, sim, é preocupante.

Nos próximos anos, vamos começar a ver isso. Mas nada é tão de novo debaixo do sol. Anos atrás, lançaram as impressoras 3D. Conseguiram fazer próteses por uma fração do custo. E alguém publicou um design de uma arma que pode ser impressa com 3D e que não pega em raio-X. No final dos contas, o problema é o ser humano.

Leia mais na coluna de Marta Sfredo

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