O escaneamento de íris em troca de pagamento está proibido no Brasil a partir deste sábado (25). A decisão foi anunciada pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e suspende o projeto Worldcoin, operado pela empresa Tools for Humanity (TFH).
Leia aqui a nota da ANDP
A medida, de caráter preventivo, tem o objetivo de garantir que o tratamento de dados biométricos respeite os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Além disso, a ANPD exigiu que a empresa informe, em seu site, a identificação do encarregado pelo tratamento de dados pessoais, conforme prevê a legislação.
Entenda a decisão
A ANPD iniciou, em novembro de 2024, um processo de fiscalização para avaliar o tratamento de dados biométricos pelo projeto, que utiliza a íris como base para criar a World ID.
Segundo a TFH, a World ID permite comprovar que o titular é um ser humano único, promovendo maior segurança digital, especialmente em um contexto de expansão de ferramentas de inteligência artificial.
No entanto, a Coordenação-Geral de Fiscalização (CGF) da ANPD concluiu que a oferta de contrapartida financeira — cerca de R$ 600 em criptomoedas por cadastro — pode comprometer o consentimento livre e informado dos participantes, especialmente em situações de vulnerabilidade econômica.
De acordo com a LGPD, dados biométricos são considerados informações sensíveis e requerem consentimento livre, inequívoco e específico para tratamento. A CGF avaliou que a remuneração pode influenciar a decisão dos titulares, configurando uma interferência na manifestação de vontade e agravando o impacto em contextos de hipossuficiência financeira.
Gravidade do caso
A ANPD destacou a gravidade do tratamento de dados biométricos pela TFH, apontando:
- Irreversibilidade do consentimento: A coleta de íris não pode ser revertida, impossibilitando a exclusão dos dados após o processamento.
- Riscos associados a dados sensíveis: O uso de biometria apresenta implicações mais críticas do que outros tipos de informações pessoais, demandando maior proteção e transparência.
Como funcionava o projeto
Até esta sexta-feira (24), participantes do projeto Worldcoin tinham a opção de receber até 48 criptomoedas como contrapartida pela realização do escaneamento de suas íris.
O valor do pagamento, equivalente a cerca de R$ 615 na cotação de 24 de janeiro, era distribuído em duas etapas: 20 moedas eram liberadas 24 horas após o registro, enquanto as 28 restantes eram transferidas mensalmente ao longo de um ano.
Embora o processo de coleta seja tecnicamente simples, o destino e o uso dos dados gerados levantam dúvidas, inclusive entre pessoas familiarizadas com o tema.
Processamento dos dados biométricos
Em entrevista ao g1, Rodrigo Tozzi, da empresa Tools for Humanity, responsável pelo projeto, explicou que as imagens da íris capturadas pela câmera Orb são transformadas em um código numérico criptografado diretamente no dispositivo. O processo inclui as seguintes etapas:
- O código criptografado é enviado ao celular do participante, tornando-o proprietário dessa “impressão digital”.
- O mesmo código é fragmentado em diversas partes e armazenado em servidores de “terceiros confiáveis”.
- Após o envio, as imagens são apagadas da Orb.
Os “terceiros confiáveis” que armazenam os fragmentos dos códigos incluem as universidades de Berkeley (EUA) e Erlangen-Nürnberg (Alemanha), além da empresa de blockchain Nethermind, baseada no Reino Unido. Essa estrutura visa descentralizar o armazenamento e garantir maior segurança e privacidade dos dados.
Projeto Worldcoin e sua expansão
O projeto, que começou em São Paulo em fase de testes, registrou uma adesão exponencial. Desde novembro de 2024, mais de 400 mil pessoas participaram, muitas atraídas pela compensação financeira.
A expansão para bairros periféricos, com 51 pontos de escaneamento em operação, gerou críticas quanto à falta de clareza no uso dos dados e a influência financeira sobre os participantes.
Impacto internacional e precedentes
A ANPD se junta a outras autoridades globais que já questionaram o projeto. Na União Europeia, a autoridade de proteção de dados da Baviera, na Alemanha, determinou a exclusão de dados do projeto em todo o bloco. Em Buenos Aires, na Argentina, a Worldcoin foi multada em 194 milhões de pesos (cerca de R$ 1,1 milhão) por cláusulas abusivas em seus termos de uso.
O futuro da Worldcoin no Brasil
Com a proibição da remuneração, a Tools for Humanity precisará rever sua abordagem para operar no país. O caso ressalta a necessidade de regulamentação clara e fiscalização rigorosa em projetos que utilizam dados sensíveis, especialmente em contextos de vulnerabilidade social e econômica.
O desdobramento também reforça a importância de consentimento informado e respeito à privacidade no avanço de tecnologias emergentes, como a biometria e as soluções digitais baseadas em inteligência artificial.
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