A decisão da Meta, empresa liderada por Mark Zuckerberg, de encerrar o programa de checagem de fake news no Facebook e no Instagram, substituindo-o por sistema de “notas da comunidade”, representa grande problema para o ecossistema da informação global.
Alek Maracaja*
Mais do que mudança técnica, essa decisão evidencia retrocesso preocupante. Avanços conquistados com o fact-checking como esforço de melhora na qualidade da informação são abandonados em prol dos interesses exclusivamente privados da empresa, que opera com informações públicas e expostas ao público.
Os programas de checagem das plataformas digitais foram marco na luta contra a desinformação. Ainda que imperfeitos, esses representavam compromisso inicial das big techs em assumir responsabilidade sobre os conteúdos veiculados. Eram reconhecimento de que a informação não pode ser tratada como mercadoria comum, e que há consequências sociais, políticas e econômicas na disseminação de notícias falsas.
O recuo sinaliza interesse maior da empresa em retomar o controle total das narrativas e lucrar com o engajamento desinformado do que em contribuir para a formação de ambiente digital saudável e ético. Ou seja: é o apego ao caos digital em nome do lucro.
A transição para modelo de moderação comunitária, sem especialistas treinados, devolve às plataformas a liberdade de manipular o fluxo de informações conforme os próprios interesses.
Esse cenário explica, em boa parte, a dificuldade que os governos têm para regulamentar redes sociais e IA (inteligência artificial). Esse é o cenário no Brasil e no mundo. Enquanto as big techs expandem as operações e influência, o poder público enfrenta enormes desafios para acompanhar o ritmo do avanço tecnológico e de seu poder de subverter a ordem estabelecida. Essa falta de regulamentação, até aqui, tem servido aos interesses de pessoas e grupos mal-intencionados, que se valem das novidades tecnológicas para atividades como lavagem de dinheiro e articulação do cometimento de crimes que incluem até mesmo a manipulação dos sistemas eleitorais.
Ou seja: deixar o controle apenas na mão das empresas, sem a atuação do aparato estatal, não atende aos interesses maiores das sociedades.
No caso brasileiro, legislações como o Marco Civil da Internet, a regulação da IA e a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) tentam criar mínimo de proteção para os usuários. No entanto, essas normas ficam aquém do necessário para conter o poder das plataformas e a parte negativa do mal uso dessas por usuários mal-intencionados.
No plano global, a ausência de consensos entre as grandes potências — muitas vezes alinhadas aos interesses dessas corporações — enfraquece qualquer esforço conjunto para regular a tecnologia. Decisões como a da Meta de abandonar a checagem de fatos mostram disposição de não comprometer lucros em nome da responsabilidade social. Isso dificulta ainda mais o diálogo sobre a necessidade de regulamentação.
A cada dia, o desafio se torna ainda maior. Se a desinformação já era problema monumental, a popularização da inteligência artificial adicionou camada de complexidade a esse quadro, vez que essa pode amplificar a disseminação de informações falsas de maneira automatizada, personalizando as mensagens para atingir públicos específicos e manipulando a opinião pública com precisão inédita.
Sem regulamentação clara, essas tecnologias são exploradas de maneira indiscriminada, colocando em risco valores democráticos e aumentando a polarização social.
Quando Zuckerberg substitui o fact-checking por “notas da comunidade”, ele transfere a responsabilidade de discernir entre verdade e mentira para usuários que já estão submetidos ao controle algorítmico da plataforma. Em vários casos, não seria exagero dizer que as redes conhecem os usuários melhor do que eles mesmos, usando dados pessoais para antecipar desejos, influenciar decisões e moldar comportamentos.
A retomada do “controle total” pelas plataformas cria falsa sensação de descentralização. Na prática, a Meta não está democratizando o acesso à verdade, mas, sim, ampliando a capacidade de manipular engajamento.
Afinal, notícias falsas e narrativas polarizadas geram mais cliques e mais lucro. Estamos diante de algo maior do que retrocesso técnico. A “verdade” está à mercê de algoritmos e narrativas lucrativas, ignorando as consequências sociais e políticas dessa escolha. Lembrando a provocação feita no filme A rede social, quais são os mercados que chamam seus clientes de “usuários”? A regulamentação é urgente.
(*) Analista de dados, publicitário e diretor nacional da Abradi (Associação Brasileira dos Agentes Digitais). Publicado originalmente no Correio Braziliense, coluna Opinião, da última quinta-feira (9).