A inteligência artificial (IA) encontrou na medicina um vasto terreno de aplicações. Sua entrada em cena no cotidiano de hospitais e na rotina de profissionais de saúde foi rápida e abrangente. A ferramenta é usada hoje na interpretação de imagens como ressonâncias e tomografias, na robótica cirúrgica garantindo procedimentos mais precisos e menos invasivos, fazendo a análise de dados clínicos e sintomas relatados pelo paciente, auxiliando médicos na triagem inicial de casos e também na tomada de decisão em situações mais complexas, além de conferir eficiência e proporcionar economia na administração hospitalar.
Uma área específica e sensível da saúde, no entanto, deve experimentar uma verdadeira revolução graças à IA em sua vertente generativa, ou seja, aquela capaz de criar conteúdo: o segmento dos ensaios clínicos que envolvem o desenvolvimento de novos medicamentos. Um estudo produzido por especialistas em saúde do Fórum Econômico Mundial, em parceria com a ZS, consultoria norte-americana em tecnologia, publicado no final do ano passado, mostra como a IA generativa (GenAI) tem o potencial de acelerar significativamente as inovações terapêuticas.
O caminho percorrido por um medicamento da sua concepção inicial até se mostrar seguro, eficaz e ser colocado à disposição do público, é longo, costuma avançar de forma morosa, custa caro e, na maioria das vezes, não tem um final feliz — entre 10% e 15% deles, somente, se tornam bem-sucedidos. Em números, o processo de desenvolvimento de uma nova droga leva de 8 a 12 anos e consome cerca de US$ 2,5 bilhões, em média. O calcanhar de Aquiles é a fase dos ensaios clínicos, quando o medicamento é testado em grupos de seres humanos a fim de se conhecer a sua eficácia e os seus efeitos. A taxa de falha nesse ponto chega a espantosos 90%.
Segundo o estudo capitaneado pelo Fórum Econômico Mundial, a GenAI pode tornar muito mais efetivo esse processo por lhe emprestar eficiência em etapas específicas. A primeira delas é considerada decisiva para o sucesso de um ensaio clínico: a sua estruturação. Os métodos disponíveis até o momento são manuais e propensos a erro, o que costuma acarretar atrasos e, por consequência, despesas além do previsto. A GenAI aproveita dados não estruturados, evidências do mundo real e orientação regulatória, a fim de desenhar um projeto ajustado, sem gorduras, mais econômico e célere.
O recrutamento de pacientes que vão participar de um ensaio responde por cerca de 40% do custo do projeto e representa um enorme desafio. A seleção de perfis inadequados pode colocar todo o trabalho a perder. A IA generativa analisa dados operacionais, a prevalência de doenças e evidências clínicas em tempo real da região escolhida para recrutamento, mostrando se essa região tem potencial para garantir a formação de grupos de pacientes com as características necessárias para o estudo ser conduzido a contento.
Além de afinar critérios de recrutamento, auxilia na retenção de pacientes, o que é igualmente desafiador, uma vez que os ensaios muitas vezes se arrastam por anos, provocando um desgaste natural na relação entre pesquisador e pesquisado. A GenAI trabalha com modelos que preveem risco de abandono e, ao mesmo tempo, cria estratégias para intervenções personalizadas a fim de engajar os pacientes.
A crescente sofisticação de dados dos ensaios exige técnicas analíticas parrudas. Automatiza tarefas rotineiras, como limpeza de dados e programação estatística, minimizando erros e acelerando a tomada de decisões. Da mesma maneira, converte dados nos formatos necessários, sinaliza omissões, realiza referências cruzadas, de maneira que o estudo preencha os requisitos de conformidade regulatória.
O potencial representado pela inteligência artificial generativa é gigantesco para o desenvolvimento de novos medicamentos. E deve se tornar realidade paulatinamente, conforme obstáculos como o compartilhamento de dados médicos padronizados e a qualificação de mão de obra forem superados.