integridade da informação e adaptação em tempos de crise climática

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MUDANÇA DO CLIMA

Como as tecnologias emergentes, incluindo a Inteligência Artificial (IA), podem desempenhar um importante papel na mitigação e adaptação aos desafios climáticos? Dentre as suas inúmeras potencialidades, a IA pode ser utilizada para monitorar florestas e prever desastres naturais, facilitando a gestão de riscos e o planejamento de resposta a crises ambientais. Em artigo exclusivo para o site G20 Brasil, o pesquisador Atahualpa Blanchet aponta possibilidades de integrar alta tecnologia às necessidades prementes da humanidade de adaptar-se às mudanças climáticas cada vez mais intensas, no intuito de evitar cenários ainda mais catastróficos do que os atuais.

06/10/2024 07:00 – Modificado há 2 dias

Foto: Getty Images
Foto: Getty Images

Nos últimos anos, a crise climática e ambiental tem se intensificado consideravelmente, com consequências diretas para milhões de pessoas nas mais diversas partes do mundo. A temperatura média do planeta já subiu cerca de 1,2°C em relação ao período pré-industrial, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). 

O aumento da temperatura global acelerou o processo de derretimento das geleiras elevando o nível dos oceanos em aproximadamente 20 centímetros nos últimos 100 anos. Até 2.100, estima-se que o nível do mar suba até 1 metro, ameaçando regiões costeiras, exigindo medidas urgentes de infraestrutura de resiliência e podendo forçar a migração de milhões de pessoas. 

A crise climática além de desafiar a capacidade de incidência das políticas econômicas e ambientais no marco da sustentabilidade, também coloca à prova a capacidade de adaptação dos países do G20. O conceito de adaptação envolve o ajuste dos sistemas sociais, econômicos e tecnológicos para lidar com os impactos crescentes das mudanças climáticas, como calor e frio excessivo, secas severas e chuvas torrenciais, que têm ocorrido com cada vez mais frequência e intensidade.

Nesse cenário, o G20, sob a presidência do Brasil, coloca na centralidade da agenda internacional o debate sobre como as tecnologias emergentes, incluindo a Inteligência Artificial (IA), podem desempenhar um importante papel na mitigação e adaptação aos desafios climáticos. Dentre as suas inúmeras potencialidades, a IA pode ser utilizada para monitorar florestas e prever desastres naturais, facilitando a gestão de riscos e o planejamento de resposta a crises ambientais.

O uso estratégico da tecnologia pode também contribuir para o processo de transição energética, otimizando o uso de fontes renováveis, como a solar e a eólica, ajudando a reduzir as emissões de carbono. 

IA e a Preservação Ambiental: Adaptação e Inovação

A Inteligência Artificial oferece a possibilidade de incrementar as ações de monitoramento de florestas, prevenir desmatamentos ilegais, otimizar o uso da água e prever desastres naturais com mais precisão. Esses são exemplos de como as tecnologias emergentes podem ser adaptadas para mitigar os impactos da crise climática em diversas regiões do planeta.

A IA pode ser utilizada, por exemplo, para detectar atividades de desmatamento por meio de ferramentas como o Global Forest Watch que utilizam dados de satélite para monitorar as florestas em tempo real e identificar rapidamente áreas desmatadas ou com ações de desmatamento em curso. 

Os sistemas algorítmicos também podem desempenhar um papel significativo na identificação de espécies vegetais com potencial medicinal, promovendo a valorização do conhecimento e dos saberes tradicionais dos povos da floresta. Ferramentas colaborativas como o Pl@ntNet permitem que usuários identifiquem plantas a partir de fotos, contribuindo para a catalogação de espécies com usos medicinais. No Brasil, o Projeto Iandé integra os saberes tradicionais de povos indígenas com dados de IA, visando a conservação de espécies e o uso sustentável dos recursos naturais.

No Canadá, o programa Forest Inventory and Analysis (FIA) utiliza IA para monitorar e avaliar as florestas, contribuindo para uma gestão sustentável e a conservação da biodiversidade. 

Na Austrália, o National Environmental Science Program (NESP) aplica ferramentas preditivas e de monitoramento para identificar ações de desmatamento e degradação de habitats. Na Índia, o sistema Green Watch utiliza algoritmos para o rastreamento de atividades florestais e assegurar a implementação de políticas de conservação.

O Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), desenvolvido no Brasil pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), aplica algoritmos de IA para gerar alertas de desmatamento na Amazônia, permitindo ações de fiscalização mais eficazes. Além disso, iniciativas como o PrevisIA, em parceria com a Microsoft, utilizam modelos preditivos para antecipar áreas de risco de desmatamento, facilitando medidas preventivas.

A Declaração de Maceió e a Integridade da Informação

A Declaração Ministerial de Maceió sobre Inclusão Digital para Todos, aprovada no marco do GT de Economia Digital do G20, reflete a crescente importância das tecnologias emergentes no contexto internacional como instrumento para o desenvolvimento sustentável com base na inclusão social. 

Mais do que um conjunto de diretrizes técnicas, o instrumento aborda o papel da tecnologia na transformação das sociedades, com foco em temas como a inclusão digital, a integridade da informação e o uso ético da Inteligência Artificial (IA). 

A Declaração de Maceió destaca o potencial das tecnologias emergentes como ferramentas que podem mitigar os impactos das mudanças climáticas, bem como instrumentalizar a transição energética. A adaptação, nesse contexto, consiste em moldar e direcionar a inovação tecnológica para atender as necessidades e peculiaridades locais, particularmente em áreas de preservação ambiental, e aquelas que exigem o esforço concentrado para o combate à pobreza. A transição para energias renováveis, como a solar e a eólica, requer investimentos massivos em infraestrutura além de ações de capacitação profissional e de inclusão social. Para os países do G20 como um todo, a adaptação às mudanças climáticas e à transição energética e digital passa também pela incidência em variáveis estruturais de caráter comunicacional como a desinformação e o negacionismo climático.

Enfrentar a crise climática consiste também em combater a desinformação. A integridade da informação é essencial para garantir que as decisões políticas e as ações climáticas sejam baseadas em dados e critérios científicos sólidos. É preciso aproximar a política da ciência e valorizar o papel da academia na formulação de medidas eficazes para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

No Canadá, o programa Forest Inventory and Analysis (FIA) utiliza IA para monitorar e avaliar as florestas, contribuindo para uma gestão sustentável e a conservação da biodiversidade. 

Na Austrália, o National Environmental Science Program (NESP) aplica ferramentas preditivas e de monitoramento para identificar ações de desmatamento e degradação de habitats. Na Índia, o sistema Green Watch utiliza algoritmos para o rastreamento de atividades florestais e assegurar a implementação de políticas de conservação.

O papel do G20 e a adaptação no contexto de mudanças climáticas

Nas últimas décadas, a comunidade internacional tem avançado na construção de marcos consensuais sobre o impacto das tecnologias emergentes. A Recomendação da Unesco sobre a Ética da IA, adotada em 2021, e os esforços da ONU para um Pacto Digital Global são iniciativas que buscam equilibrar o potencial transformador das tecnologias com a necessidade de proteger os direitos humanos e promover a justiça social. 

No mesmo sentido, a Declarações sobre a Integridade da Informação e  Princípios de Direitos Humanos no âmbito da Inteligência Artificial, aprovadas do Mercosul em 2023, demonstram o compromisso da região com o tema e do Brasil, cuja presidência do G20 já apontava para o seu posicionamento sobre o uso responsável das tecnologias emergentes a serviço de um projeto de desenvolvimento ecologicamente sustentável, economicamente viável e socialmente justo.

Dando seguimento à construção de um corpus juris internacional em matéria de direitos na era digital, a Declaração de Maceió destaca a questão da integridade da informação como um aspecto central para que as decisões políticas sejam baseadas em evidências, contribuindo para soluções eficazes em temas como a preservação ambiental, a transição energética e a descarbonização das economias. 

Em um mundo cada vez mais marcado por crises climáticas e transformações tecnológicas, o G20 destaca a importância da aplicação do conceito de adaptação como pilar central para a construção de medidas transversais para a intersecção entre a inovação tecnológica e a preservação do meio ambiente. 

Ao promover cooperação internacional e transferência de tecnologias, o G20 se coloca em posição estratégica para fornecer e distribuir os recursos técnicos, econômicos e tecnológicos necessários para navegar em tempos de crise climática com resiliência, inovação e justiça social.

Atahualpa Blanchet é pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e do Grupo de Pesquisa Transformação Digital e Sociedade da PUC SP. Especialista em Novas Tecnologias do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH) e consultor em Inteligência Artificial do Escritório da UNESCO para a América Latina e Caribe

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