Inteligência artificial deve priorizar elemento humano, diz João Marcello Bôscoli

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A inteligência artificial (IA) deve ser um recurso que sirva à humanidade e não ser servida por ela. Com esta declaração, o secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou aos países-membros da organização, durante uma conferência internacional, em Paris, na França, para apoiarem a criação de um painel científico sobre o tema.

Em setembro, as Nações Unidas adotaram o Pacto Digital Global sobre a Governança da IA prometendo que ninguém será esquecido pela tecnologia. A meta é evitar um fosso socioeconômico entre quem tem e não tem acesso ao recurso.

Ética e direitos autorais na produção de conteúdo

Para agências da ONU como a Unesco, especializada em educação, ciência e cultura, e a Ompi, que cuida de propriedade intelectual, os focos da IA devem ser ética e os direitos autorais na produção de conteúdo pela indústria criativa.

Para conversar sobre o tema, o Podcast ONU News entrevistou o produtor musical João Marcello Bôscoli, que já utiliza a tecnologia em seu estúdio e selo de gravação, Trama, no Brasil. Segundo ele, o elemento humano jamais deve ser ignorado pela nova tecnologia.

“Só me preocupo quando na área musical, se pensa em tirar o ser humano da equação. Ou seja, nem gerar um prompt, a gente gera, né? Isso é gerado já por um software então não tem nenhum tipo de interferência humana.  Claro que quando gera som, certamente em algum momento um som humano foi pesquisado. Aí entram as discussões sobre os direitos autorais, a legitimidade de toda essa iniciativa. Mas acho que é uma grande parte muito positiva. E uma pequena parte que temos que nos preocupar. Como talvez tenha sido com todas grandes descobertas humanas, né?”

Durante o Encontro de Cúpula sobre Inteligência Artificial, em Paris, organizado por França e Índia, o líder da ONU, António Guterres, afirmou que é preciso estabelecer um diálogo global sobre a execução da tecnologia e suas aplicações respeitando os direitos humanos.

Em 2021, a Unesco adotou a Recomendação sobre Ética da Inteligência Artificial, o primeiro instrumento normativo global sobre o tema.

Gráficos ilustrando aplicações de inteligência artificial

Gráficos ilustrando aplicações de inteligência artificial

Para o produtor musical, João Marcello Bôscoli, a lisura no processo de criação de conteúdo por máquinas é fundamental não só para a esfera da música e seu mercado, mas também para outras áreas da sociedade.

“Para ser gerado um som, um determinado padrão de melodia, um encadeamento harmônico, isso precisa ser estudado.  Se estudou, ouviu algum tipo de música, uma música que foi feita por um ser humano. Se vai lá faz isso e depois não paga, me parece incorreto. Eu tenho 55 anos quase, e eu sou do tempo que o trabalho era remunerado. Eu quero ver quando isso chegar aos escritórios de advocacia e aos bancos.”

Bôscoli lembra que, em 1998, a indústria fonográfica global gerava uma receita de US$ 50 bilhões. Em 2024, a quantia chegou a US$ 26,8 bilhões após um crescimento de 10%. Quase metade desse montante veio do pagamento de streaming.

Para o produtor musical, a discussão hoje na música pode até não despertar muito interesse, mas ela seguramente deverá avançar para áreas como finanças e política.

“Então é assim: enquanto estão batendo em artista, maltratando e saqueando os artistas, ainda é algo que fica numa determinada esfera. Quando chegar ao Congresso, quando começarem a propor que máquinas substituam os políticos, quando fizerem a proposta às famílias mais poderosas do mundo que elas sejam substituídas, quando os bancos e os escritórios de advocacia passarem por isso, aí as pessoas vão dizer: ‘Nossa, isso é perigoso!’.

Segundo João Marcello Bôscoli, “a música não é um problema que precise de solução”.

Sobrinho trineto da compositora, pianista e primeira maestrina brasileira, Chiquinha Gonzaga (1847-1935), filho de Elis Regina e Ronaldo Bôscoli, o profissional observa as mudanças no mercado fonográfico desde a infância. Para ele, essa é uma discussão que ainda deverá assumir novos contornos, como ocorreu com a regularização do pagamento do streaming há algumas décadas.

O importante agora é analisar e consolidar os avanços para que a indústria criativa continue se adaptando e se reinventando sem deixar ninguém para trás…

Em 2021, a Unesco adotou a Recomendação sobre Ética da Inteligência Artificial, o primeiro instrumento normativo global sobre o tema

Em 2021, a Unesco adotou a Recomendação sobre Ética da Inteligência Artificial, o primeiro instrumento normativo global sobre o tema

Leia a íntegra da entrevista:

Tudo bem, João?

João Marcello Bôscoli: Tudo bem, Monica. Muito obrigada por estar aqui. Um prazer. Fico meio ruborizado aí com essa abertura. Posso dizer apenas que sou apaixonado por música e o tanto que eu observo, estudo e fico envolto é por pura paixão. Acho que é uma coisa endógena.

ON: Endógena total. No DNA com certeza. João, inteligência artificial e música, o que a gente precisa saber sobre essa combinação, já que muitas pessoas já estão consumindo esse produto?

JMB: Olha, primeiro a gente pode falar que chamamos de inteligência artificial um grupo muito diferente de tipos de ferramentas, com propostas diferentes. Claro que a matriz matemática é semelhante, mas as funções são diferentes. Então, por exemplo, hoje no estúdio, eu não consigo mais comprar um software de equalização, de compressão enfim para usar em gravações, que não tenha a inteligência artificial.  Isso é algo que já vem dentro dessas ferramentas e são muito úteis, tem resultados interessantes, mas sempre com um comando humano, né? A gente tem também a inteligência artificial nas restaurações. Você tem uma gravação que está com algum ruído de fundo, um chiado que o tempo trouxe, o que já estava lá. Acho que um caso clássico, já, o John Lennon com os Beatles. Aquela gravação que ele fez no Dakota e tinha o barulho de automóvel, televisão e tal. E ele ao piano… esse tipo de recurso consegue isolar tudo. A gente também tem ferramentas criativas, onde você fala: ‘eu quero um som de um sintetizador fazendo tal coisa’, e a ferramenta te propõe um som como se fosse um instrumento musical ali.

Então, acho que a maior parte da utilização da inteligência artificial, acho que ela é positiva. A pequena parte que talvez não seja positiva é quando você não tem o comando humano, quando você tira o ser humano da equação. É uma visão minha. Claro, que alguém pode dizer: ‘qual é o problema de tirar o ser humano da equação?’

Mas penso que é a música não é um problema que precise de uma solução.

Acho que a inteligência artificial é para resolver o trânsito, resolver a poluição, resolver algum problema sério de saúde, fazer um bebê ouvir, salvar vidas, minimizar o impacto das nossas vivências diárias aí, o lixo e tal, tudo isso é muito bem-vindo.

Só me preocupo quando na área musical, se pensa em tirar o ser humano da equação. Ou seja, nem gerar um prompt, a gente gera, né? Isso é gerado já por um software então não tem nenhum tipo de interferência humana.   Claro que quando gera som, certamente em algum momento um som humano foi pesquisado. Aí entram as discussões sobre os direitos autorais, a legitimidade de toda essa iniciativa. Mas acho que é uma grande parte muito positiva. E uma pequena parte que temos que nos preocupar. Como talvez tenha sido com todas grandes descobertas humanas, né? A fissura do átomo pode resolver problemas energéticos incríveis, mas se sair do controle pode destruir o planeta.

Gosto de lembrar sempre do grande Herbie Hancock, já que falamos de música aqui, o pianista que é budista, fala que com um machado você pode destruir uma casa ou acabar com uma vida, né? Depende de como você vai usar a ferramenta. Não creio que ela em si seja ruim, sabe Monica? Acho que depende do uso.

ON: Agora vamos falar sobre música em nível global: A Federação Internacional da Indústria Fonográfica, IFPI, que acaba de apresentar um relatório sobre a receita do mercado global da música diz que cresceu 10% no ano passado, fechando a US$ 28,6 bilhões. E quase metade dessa quantia se deve a assinaturas pagas de streaming…A inteligência artificial vai trazer mais dinheiro para esse mercado, mas como se regula o pagamento dos criadores? Acho que essa é uma das grandes polêmicas no momento?

JMB: Eu acho, Monica, é que devemos levar em consideração, eu que nasci, por exemplo, em 1970 e vi o início dessa chegada, né? Chegou a um determinado momento, no início de século, onde pela ausência de uma política contemporânea das majors, acabou nos levando a uma encruzilhada.

Ou você pega tudo de graça na internet ou você iria comprar mídias físicas que estavam realmente despencando as vendas, tinham saído do dia a dia de quem ouvia a música, do público de maneira em geral.  Então, quando quase todo o conteúdo estava disponível de graça e as pessoas não estavam pagando por isso, e veio uma solução, que já havia sido apresentada às indústrias todas ligadas à música, sobretudo a indústria fonográfica, e elas tinha recusado, mas quando veio esse modelo de assinatura, de streaming, desde o começo, as pessoas perceberam que se pagava muito pouco. Agora, (a gente) levantar da mesa de negociação nessa etapa, eu acho ruim. Porque se volta duas casas no processo, a gente volta a perder completamente essa remuneração. Então, acho que agora deve seguir o que vinha acontecendo já há alguns meses, talvez poucos anos, no máximo dois anos… Sei lá, 12, 14 meses, que é uma pressão dos grandes artistas para as plataformas melhorarem essa remuneração. Eu acho que as questões mais difíceis que são os micropagamentos, a aferição de que parte é de quem, isso a tecnologia consegue resolver. Acho que tem que continuar à mesa, debatendo e tentando melhorar os valores. Agora, esse modelo de assinatura é um modelo que já havia sido proposto, anteriormente, mesmo antes da Apple, e isso foi levado até a indústria e ela recusou.

Agora, também queria lembrar que quando eu comecei a trabalhar com o selo, em 1998, a indústria faturava, à época, US$ 50 bilhões. Então, digamos que nós estamos quase que 27 anos depois, ainda tentando chegar ao patamar, sem correção de inflação, de 1998. Então, ainda tem um bom tempo aí para a gente recuperar as coisas. Um caminho longo ainda, mas é inegável que houve avanços em muitos setores. Mas paga-se mal, muito mal.  A música, se investe muito pouco na criação de música.  As pessoas esquecem que música não dá em árvores, que isso é feito por pessoas. E essa parte específica que é a gênese da música, um lugar como esse em que estou, o estúdio, isso é parte da cadeia que é fundamental, que é um pouco negligenciada. Mas acho que houve avanços, tem preocupações, mas de maneira geral, conseguimos criar um negócio nesse novo modelo.

ON: Em 2021, a UNESCO adotou a Recomendação sobre Ética da Inteligência Artificial, o primeiro instrumento normativo global sobre o tema.  Vamos falar um pouco dessa ética na criação, do elemento da emoção, da genialidade e da humanidade até nesse novo mundo de Machine learning, esse aprendizado por máquina…

Vou ler alguns versos aqui e você pode me ajudar lembrando a autoria dessas letras ou não. Eu também posso te dizer, não tem problema, a gente chega lá, é um bate bola que a gente vai fazer aqui…

JMB: Ai, ai, que medo… (risos).

ON: Tem muita coisa aqui na família, né? Não tem como dizer que não tem…

“É, você que é feito de azul
Me deixa morar nesse azul
Me deixa encontrar minha paz
Você, que é bonito demais
Se ao menos pudesse saber
Que eu sempre fui só de você
Você sempre foi só de mim”

Só tinha de ser você…

JMB: Aloysio de Oliveira, a letra, né? Tom Jobim. Aloysio de Oliveira, Bando da Lua, depois fundador da Elenco, trabalhou com Walt Disney, com Carmem Miranda, uma figura fundamental da música brasileira, produtor do Elis e Tom. Grande Aloysio de Oliveira.

ON: Onde você estava inclusive. Você não estava nessa viagem?

JMB: Atrapalhando, Monica, atrapalhando…

ON:  Tem mais um… “Deixa que meu samba sabe tudo sem você
Não acredito que meu samba só dependa de você
A dor é minha em mim doeu
A culpa é sua, o samba é meu…”

JMB: Ronaldo Bôscoli: Saudade fez um Samba. Estava rindo aqui, lembrando de como ele fez isso.

ON: Como ele fez, conta?

JMB: Ah, é sempre uma vingança. Estou com saudade de você, tudo bem, você não está aqui, mas o samba preencheu esse vazio existencial.

ON: E o verso aqui é maravilhoso. Marcou a autoria.

JMB: Sempre lavando as mãos né? (Risos)

ON: Isso como a gente diz aqui, vou deixar você analisar (Risos). Mas agora tem outra, João: “Canela, tapinhoã, nã-nã-nã-nã-nã-nã
Não faço nada
Que perturbe a doida a louca passarada
Ou iniba qualquer planta dormideira
Ou assuste as guaribas na aroeira

Em contra-ponto com pardais urbanos
Tão felizes soltos dentro dos meus planos
Mais boquiabertos que os meus vinte anos
Indóceis e livres como eu.”

Essa não está na família, mas trabalhou com vocês um tempo.

JMB: Não me lembro, Monica…

ON: Ela fala dos 20 anos dela, e a gente sempre se lembra dos nossos 20 anos, Essa é Fátima Guedes que também compôs…

JMB: Ah, que lindo! Poxa, trabalhou com Elis, 11 Fitas que é lindíssima… A Elis gostava muito dela. Tem uns vídeos dela com a Elis que são muito legais. Me perdoe não ter lembrado…

ON: Imagina, é bate bola aqui. Você fala uma, eu falo outra. Mas esse último aqui, eu só vou ler… “E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco
Louco
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil
Meu Brasil”.

JMB: Aldir Blanc fez essa letra. Muito bonito porque o João Bosco estava muito emocionado com a morte do Charles Chaplin. E aí era o início disso. O surrealista é que, entre outras coisas, Aldir Blanc conseguiu criar um link entre os exilados políticos, a saudade… “Caía a tarde feito um viaduto”, a queda do viaduto no Rio de Janeiro que matou 50 pessoas. Aldir Blanc é um gênio da letra. Gênio das palavras. Muito bonito.

Visualização de Inteligência Artificial combinando um esquema do cérebro humano com uma placa de circuito

Visualização de Inteligência Artificial combinando um esquema do cérebro humano com uma placa de circuito

ON: E essa música se tornou um hino…

JMB: Um hino, ajudou a antecipar, falam, a época da (redemocratização) porque a música, pra mim, entre outras coisas, é uma reportagem do seu tempo. O artista consegue ler aquilo que se convencionou chamar de inconsciente, o tempo que está vivendo, processar internamente e devolver para a gente com algo acrescentado ali. O próprio nome “autor” tem a sua origem de acrescentar. Então quando faz essa leitura é muito potente. Então, era um desejo geral das pessoas, a anistia, a abertura, e a música fez essa leitura quando foi transformada numa melodia e interpretado pela Elis Regina, foi para as rádios, as TVs todas, e acabou criando, concentrando uma grande força, uma energia, um desejo de mudança, que falam à época, transformou a necessidade de abertura política em algo instransponível.

ON: E a minha pergunta é justamente sobre isso. A máquina constrói isso? Toda essa beleza?

JMB: Eu acho difícil, né? A gente entra numa discussão filosófica, no final das contas… porque quando você tira o ser humano da equação, claro, tira ali do ato onde é criada a canção, por exemplo, mesmo sem a pessoa ali tomando decisões, tudo que vai ser criado pela máquina é algo que é baseado em coisas que já foram criadas pelas pessoas, né? Por isso essa discussão de direitos autorais.  Como eu disse, eu não sou um filósofo. Não sou um estudioso de semiótica, nem das leis. Eu sou apenas uma pessoa que trabalha com música. E aí o que me vem é uma coisa que eu já falei aqui, meio sem querer, que vou repetir: a música não é um problema que precisa de solução. Eu acho que é um campo que deveríamos deixar para a manifestação dos sentimentos. Mas aí, tem umas pessoas que dizem: mas as máquinas também têm sentimento. Aí eu falo, bom, acho que é momento deu eu dizer que eu não tenho condições intelectuais de seguir essa discussão porque não é algo físico, não é algo ligado exclusivamente ao que vemos. Aí, a gente entra numa discussão, para mim, quase metafísica. Então, posso dizer o seguinte: da minha parte, acho fundamental a presença do ser humano. O AI, um computador, um piano, ou tudo, nas nossas mãos, sob o nosso domínio. Eu queria até dar um crédito. Eu ouvi isso do Gilberto Gil. Eu tive a chance de ser uns entrevistadores dele no programa Roda Vida, da TV Cultura, aqui no Brasil, e eu perguntei: qual é o limite da tecnologia? Porque o Gil, eu, a vida inteira, vendo ele trabalhar, ou acompanhando a média distância, e às vezes dentro do estúdio, ele sempre trabalhou com bateria eletrônica, com sintetizador, com sampler, sempre foi uma pessoa muito aberta, né? E eu perguntei, e ele disse: “O limite é o comando humano”, e eu gostei disso, e adotei.

ON: No início deste ano, o ex-Beatle Paul McCartney disse que é preciso que os artistas, a comunidade criativa, tenham cuidado para não ser explorados pela inteligência artificial na música. Ele não é contra. Pelo contrário, usou a inteligência artificial para relançar uma música de John Lennon. Ele é contra que os autores, os criadores não sejam pagos pelo seu trabalho de criação. Numa legislação britânica sobre o tema, ela pediu que os criadores sejam protegidos. Ele quer a proteção do direito de cópia, direito do autor, da chamada minagem de dados. Dá pra controlar isso? Como está a discussão no Brasil?

JMB: Aqui a discussão existe. O processo propriamente dito de criar uma música do zero, está ainda na esfera da brincadeira, do meme, da brincadeira mesmo, da piada,né?

Eu entendo o que ele está falando. Vamos lá: se você tem uma música que é 100% gerada no computador, e a primeira coluna que eu fiz sobre isso na rádio tem cinco anos, aproximadamente, que era um computador na Califórnia que estudou todas as músicas do Sinatra e todas as músicas da Britney Spears, e fez o Sinatra cantar Toxic como se fosse uma big band. Ficou estranho na época, hoje não ficaria tanto…, e aí pergunta é: o que é isso aqui, né? É muito curioso e tal, mas de novo, para ser gerado um som, um determinado padrão de melodia, um encadeamento harmônico, isso precisa ser estudado.  Se estudou, ouviu algum tipo de música, uma música que foi feita por um ser humano. Se vai lá faz isso e depois não paga, me parece incorreto. Eu tenho 55 anos quase, e eu sou do tempo que o trabalho era remunerado. Eu quero ver quando isso chegar aos escritórios de advocacia e aos bancos. A hora que o IA dispensar a existência de um banco e de um escritório de advocacia. Aí, eu quero ver…

ON: Não vai dar certo. Essa conta não vai fechar…

JMB: Não vai fechar não. Não vão deixar chegar lá. Então, enquanto é na música, que é um negócio do ponto de vista de importância para a trajetória humana monumental, mas do ponto de vista econômico é uma coisa que tem um peso pequeno. É muito fácil fazer assim (ignorar). Em 1998, eram US% 50 bilhões e o negócio de marketing esportivo só nos Estados Unidos era um negócio de US$ 120 poucos. Então sempre foi pequeno. Então é assim: enquanto estão batendo em artista, maltratando e saqueando os artistas, ainda é algo que fica numa determinada esfera. Quando chegar ao Congresso, quando começarem a propor que máquinas substituam os políticos, quando fizerem a proposta às famílias mais poderosas do mundo que elas sejam substituídas, quando os bancos e os escritórios de advocacia passarem por isso, aí as pessoas vão dizer: “Nossa, isso é perigoso!” (Risos) Enquanto é no campo da música…

ON: Aí começa a reflexão…

JMB: Sim. Serve como fagulha para uma discussão como essa. Mas a gente não tem o poder de mexer os números, temos apenas o poder de sermos ouvidos, como sou aqui, e falarmos a respeito disso. Não é legal tirar o ser humano dessa equação. De novo: se a gente puder operar o cérebro de um bebê, fazer uma pessoa enxergar, resolver trânsito e tal, ótimo. Sob comando humano. Na criação de um quadro, de uma obra, de uma escultura, ou de uma música, não vejo muito por que tirar o ser humano da equação. Agora, usar como ferramenta criativa, eu uso todo tempo, e hoje, digo mais: não existe mais software, que eu me lembre, que compremos aqui no estúdio que não tenha inteligência artificial. É uma parte da paisagem já. Acho que a gente tem que tomar muito cuidado para a gente não virar mais do que visita, virarmos persona non grata dentro da própria indústria da música.

A Unesco pede a implementação de suas recomendações sobre a ética da inteligência artificial para evitar seu uso indevido.

A Unesco pede a implementação de suas recomendações sobre a ética da inteligência artificial para evitar seu uso indevido.

ON: João, pra terminar, Elis Regina talvez foi a primeira artista brasileira a aparecer num comercial que usava inteligência artificial…  Em março, Elis Regina faria 80 anos. Do Viva a Brotolândia, o primeiro disco até o Trem Azul, foram 20 anos apenas de criação, produção e trabalho duro, mas num repertório que sempre se renova, mesmo décadas depois, e que é descoberto pela geração Z, como se ela ainda estivesse fazendo shows por aí.  O que a gente pode esperar para esse aniversário de 80 anos, em 17 de março?

JMB: Monica, primeiro muito obrigado por lembrar da Elis. Eu fico sempre muito emocionado, né? Queria lembrar com relação à campanha que foi muito interessante ver as pessoas emocionadas com a Elis. E ao mesmo tempo, a Elis que nos deixou fisicamente em 1982 ser a responsável por uma discussão tão profunda. Porque aqui no Brasil, e acho que em boa parte do planeta, a inteligência artificial é muito usada para gerar piadas, para gerar declarações impossíveis, atletas no pós-jogo falando barbaridades.

Mas, quando a gente olhou uma peça publicitária, e grande parte das pessoas ficaram emocionadas, e era o AI, isso causou uma grande reflexão.

E de todas as coisas que já fizemos com a Elis, essa foi a que mais teve repercussão nesse campo. E eu marquei isso. Eu tenho esse número. Foram 52 entrevistas que eu dei a respeito desse assunto. Para o The Guardian, Liberation, Wall Street Journal… Foi muito interessante e eles ficaram muito interessados nessa questão. Então eu acho que se ela, depois de tanto tempo que ela partiu fisicamente, ainda gera emoção e uma discussão sobre algo tão importante, eu penso, puxa vida! Danada essa mulher, né?

Fora isso, teremos o livro Nada Será como Antes, que foi lançado em 2014, Júlio Maria escreveu muita coisa que aconteceu depois. Não tinha o filme, não tinha o musical, não tinha muita coisa ainda, e ele escreveu. Sai agora pela Companhia das Letras.

A personagem que foi desenvolvida pelo grande desenhista brasileiro Gustavo Duarte que trabalha pra VC Comics e para Marvel. A personagem Elis, a pequena Elis, em desenho, a história de realismo fantástico sairá pela Record. Tem mais documentários, tem mais um longa, que está sendo preparado, que é a Elis, em primeira pessoa contando a história dela.

Eu no estúdio aqui ao lado, estou terminado de mixar um álbum da Elis, que ela lançou na época Philips, hoje Universal, que a gente vai lançar. E tem um musical, tem muita coisa. Eu fico muito contente de as pessoas não terem esquecido da Elis, que mesmo em vida falava que é um país sem memória. E é verdade. Muitas pessoas fundamentais são esquecidas aqui.  Não há esse culto à memória que, talvez, exista em alguns outros países com maior intensidade. Mas ainda mais por isso, eu fico muito contente de a Elis ser lembrada. E talvez ser, sei lá, uma fagulha que faça as outras pessoas pensarem que há muitas outras figuras talentosíssimas que não podem ser esquecidas, né? Elizete Cardoso, Silvia Telles, Elza Soares que ainda é muito lembrada, mas quando a gente vê os números me assusta muito.

ON: Lupicínio Rodrigues… Tanta gente, né?

JMB: Lupicínio Rodrigues… Aí isso é Brasil SA, né? Uma máquina de esquecimento e que a gente tem que trabalhar muito para que isso não aconteça…Esquecê-los nos deixa menores.

ON: E o que me impressiona é a geração Z descobrindo Elis Regina. Isso é fantástico. João, deixa eu só perguntar, você está remixando um álbum. Que álbum é esse?

JMB: Remixando. Isso é assim: a gente pega a fita, restaura. Tira todos os chiados, os ruídos que porventura tenham aparecido na gravação. Ou tenham aparecido durante o tempo, durante o storage disso. E depois, a gente mixa sempre usando o álbum original de referência, masteriza. Esse é o álbum que se chama Elis, de 1973. Tem Meio de Campo, tem uma série de músicas muito interessantes, Doente Morena, Agnus Sei. É um álbum muito, muito bacana. Eu pretendo continuar fazendo isso enquanto eu estiver por aqui.

Nesse caso, a inteligência artificial nos ajuda no capítulo da restauração mesmo. Você tirar da gravação tudo que não é gravação. Eventualmente um som, alguma outra saturação. Às vezes, a fita é guardada, tem um problema químico ali, que o tempo age, e passa a ter uma distorção do som. Isso ajuda bastante.

ON: E a gente vai ouvir ainda com ainda mais qualidade sonora uma voz que é ímpar e inesquecível. João Marcello Bôscoli, muito obrigada por essa entrevista. Adoramos conversar com você aqui no Podcast ONU News e volte sempre. A casa é sua.

JMB: Muito obrigado, fico muito feliz de saber que vocês dão essa atenção à Música Brasileira especificamente a minha mãe nesse ano dos 80 anos. Muito obrigado, Monica. Obrigado a vocês do Podcast ONU News. Até a próxima!

ON: Obrigada, João! Até a próxima. 

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