O debate sobre inteligência artificial (IA) no Brasil evidencia a infraestrutura necessária para seu funcionamento. Isso inclui data centers, que viabilizam sistemas algorítmicos e agora fazem parte dos incentivos propostos pelo projeto de lei 2.338/23, o PL de IA.
Diversos países têm buscado ampliar a capacidade de data centers, inclusive como forma de alcançar soberania digital. O Brasil não foge à regra e priorizou a expansão do setor no Plano Brasileiro de Inteligência Artificial por meio, inclusive, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Entretanto, os impactos ambientais e sociais dessas infraestruturas não podem ser ignorados, por exigirem enormes quantidades de energia, água, minério e território. Um único data center é capaz de consumir a energia equivalente a uma cidade de 30 mil habitantes, e a Agência Internacional de Energia estima que o consumo total do mercado dobrará até 2026 em comparação com dados de 2022.
Embora 49,1% da matriz energética brasileira seja renovável, seus impactos colaterais são significativos.
A construção da usina de Belo Monte destruiu vastos territórios, inclusive indígenas. Parques eólicos no Ceará afetam gravemente comunidades quilombolas e pesqueiras.
Além disso, a energia verde é volátil, e a crescente demanda da indústria de IA pode torná-la insuficiente para a população. Vale lembrar que 990 mil brasileiros não tinham acesso à energia elétrica na Amazônia Legal em 2021.
Por isso, a redação proposta pelo artigo 59, IV, do PL de IA, que traz incentivos a data centers sustentáveis, é bem-vinda, mas exige cuidado.
Critérios para sua instalação e operação são fundamentais: devem promover soberania digital popular, proteger direitos e apoiar a resistência a práticas neocoloniais do uso de dados, como propõem, por exemplo, o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) e iniciativas de soberania digital indígena.
É também crucial que data centers sejam voltados a atender universidades, centros de pesquisa e empresas brasileiras, especialmente startups e PMEs (pequenas e médias empresas) com impacto social.
Políticas devem garantir consultas a comunidades e prever transparência e responsabilização via relatórios detalhados de impacto ambiental. Também devem estabelecer padrões obrigatórios de eficiência no consumo de recursos como água, minério, território e energia.
O Brasil já atrai investimentos em infraestrutura sustentável. Porém, é fundamental que sua estratégia de data centers não siga padrões de colonialismo energético, com projetos que coloquem o país como mero fornecedor de energia limpa sem contribuir para seu desenvolvimento socioeconômico e ambiental.
Podemos liderar a expansão sustentável de data centers, mas isso exige políticas que considerem seus impactos. Só assim sonharemos um futuro sustentável e soberano que equilibre avanços sociais e proteção ambiental na indústria digital.
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