Inteligência artificial e (in)segurança jurídica

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1. Uma breve introdução

Anualmente, o CNJ já vem apresentando para a sociedade os números do Poder Judiciário, tanto no que diz respeito ao volume de ações judiciais quanto no que diz respeito ao seu custo. Recentemente, foram publicados os números atinentes ao ano de 20231. Se comparado com o ano de 2022, houve um aumento de três milhões de novos casos, totalizando um acervo de 83,8 milhões de processos. Quanto ao seu custo, o Poder Judiciário custa aos cofres públicos exatamente R$ 132.753.957.654, conforme descrito no relatório Justiça em Números de 2024.

No último dia 5/2/25, o STJ publicou em seu site institucional2 notícia de que, entre os dias 20/12/24 e 31/1/25, em regime de plantão, foram proferidas 8.994 decisões, representando uma média de 155 decisões por dia.

Na sessão de abertura do ano Judiciário (realizada no último dia 3/2/25) foi relatado pelo ministro presidente da corte que o ano de 2025 já iniciou com um acervo de aproximadamente 360 mil processos.

Em seu discurso, o ministro presidente enfatizou o uso da IA – inteligência artificial no apoio da atividade jurisdicional e que o apoio a novos projetos voltados à tecnologia serão prioridade na pauta do STJ.

Porém, muito se debate sobre quais seriam os limites da utilização da IA pelo Poder Judiciário. O intuito da presente reflexão se restringe a tentar responder o seguinte questionamento: mesmo com a insegurança jurídica existente no Judiciário, seria viável a IA na tomada de decisão?

2. O Poder Judiciário e a inteligência artificial: A necessidade de solução de um problema antigo

Notícias sobre o abarrotamento do Poder Judiciário não são novas. Há anos que a comunidade jurídica já se habitua com notícias dessa natureza, seja pelo aumento no número de ações, seja pelo aumento do custo total do Poder Judiciário como um todo. Em junho de 2021, o STJ chegou ao ponto de divulgar notícia sobre a chegada de casos à corte de habeas corpus discutindo a possibilidade da manutenção da prisão de cidadão que havia furtado pedaço de frango cujo valor total seria de R$ 4 reais. De acordo com o ministro, seria um “absurdo” que o STJ tenha de discutir o furto de dois produtos com valor individual de R$ 4 reais, quando o custo da tramitação de um processo é muito superior3.

Com o aumento da divulgação dessas notícias, o debate sobre a utilização da IA pelo Poder Judiciário se intensificou. Atualmente, já existem ferramentas de IA sendo utilizadas por alguns Tribunais4. Parte delas, ainda, restritas a atividades burocráticas, como a busca por bens de devedores e a realização de bloqueios judiciais. Esse, por exemplo, foi o caso utilizado pela 12ª vara da Fazenda da cidade do Rio de Janeiro. O sistema analisou 6.619 casos em um pouco mais de três dias. A serventia, para realizar o mesmo trabalho, demoraria cerca de dois anos e cinco meses, considerando um servidor dedicado exclusivamente à tarefa5.

No dia 6/2/25, o CNJ publicou em seu site institucional minuta de resolução sobre utilização de IA no Judiciário6. Neste, é possível acessar a referida resolução que estabelece diretrizes para o desenvolvimento, utilização e governança de soluções desenvolvidas com recursos de inteligência artificial no Poder Judiciário. O documento possui 33 páginas, composto por considerações (14 itens) e 47 artigos.

Em seu art. 3º, inciso III, a resolução menciona o seguinte: “O desenvolvimento, a governança, a auditoria, o monitoramento e o uso responsável de soluções de inteligência artificial (IA) pelos tribunais têm como princípios: III – a segurança jurídica e a segurança da informação;”.

A temática da segurança jurídica já foi objeto de outras reflexões, inclusive relacionando-a diretamente com o a inteligência artificial em sede de tese de doutorado, cujo título é “Inteligência Artificial, Segurança Jurídica e aplicação no Poder Judiciário Brasileiro”7. Nesta, buscou-se responder o questionamento: haveria uma base de dados jurisprudencial suficientemente segura para a aplicação da IA?

Para responder tal questionamento, diversos casos foram analisados, como: i) a taxatividade mitigada do recurso de agravo de instrumento (art. 1.015 do CPC); ii) a (im)penhorabilidade do bem de família oferecido em caução em contrato de locação; iii) a (im)penhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação comercial; iv) a aplicação dos honorários sucumbenciais e a forma como o assunto é analisado pelos Tribunais; entre outros casos.

Um caso paradigmático foi envolvendo a aplicação (ou não) de honorários sucumbenciais. No dia 30/7/20, determinado juiz da Comarca de São Paulo, ao rejeitar embargos de declaração opostos pela parte demandada na ação, foi além. Afirmou, de forma categórica, a inconstitucionalidade dos honorários sucumbenciais8.

Em seu fundamento, afirmou o seguinte: 

“Se o advogado pretende haver para si essa verba haverá de contratar com o cliente a titularidade desse direito ou a obter mediante cessão. Se assim não for, o patrono será remunerado duplamente, isto é, receberá honorários de seu cliente e, também, da parte vencida – fato que representa enriquecimento sem causa, repudiado pelo direito, na medida em que impõe indevida lesão ao assistido que arcou com a remuneração de seu advogado e está impedido de promover o ressarcimento de seu patrimônio, pois o vencido haverá de alegar que já indenizou o patrono do vencedor ao lhe pagar os ‘honorários’. Mesmo que assim não fosse, inevitável ser da parte o direito de livremente deliberar sobre o montante que pagará ao seu patrono, sem que isso importe em submissão do vencido ao exagero ou à liberalidade da parte contrária. Bem por isso, o legislador estabeleceu os limites que representam a justa recomposição do patrimônio do vencedor, pois o excedente corre por conta da referida liberdade de contratar.”

De forma objetiva, o juízo entendeu que o causídico, já tendo seus honorários pactuados para com o seu cliente, não poderia ser novamente remunerado pela parte vencida do processo, sob pena de enriquecimento ilícito. Em seus fundamentos, afirma serem inválidos os arts. 22 e 23 da lei 8.906/94 (Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil) e o art. 85, do CPC.

A judicialização na escala vivenciada é uma clara demonstração de que, atualmente, inexiste segurança jurídica. O gradativo aumento da judicialização é reflexo da ausência de respostas claras e previsíveis para os mesmos problemas.

No momento em que se torna impossível atribuir ao caso concreto o mínimo de previsibilidade, aumentamos a judicialização e, consequentemente, os custos de transação às partes. Quando temos os mesmos Tribunais julgando de forma distinta a mesma matéria, qual dos entendimentos será preponderante? Se ambos entendimentos estão dentro da base de dados utilizada, qual dos dois posicionamentos jurisprudenciais será “utilizado” pelo algoritmo?

3. Considerações finais

Se, em um determinado tribunal, uma das câmaras julgadoras assumir um posicionamento sobre o tema X e outra posicionar-se em sentido contrário a respeito do mesmo tema, todos os interessados em causas semelhantes ver-se-ão incentivados a ir a juízo – tanto os que esperam um julgamento procedente quanto os que esperam um julgamento improcedente. A circunstância de o caso vir a ser julgado por uma ou outra câmara torna-se uma questão de sorte. Em havendo recurso, o sucesso na causa dependerá do sorteio (sorte!) da câmara que será designada para julgá-la9.

De novo, além do aspecto jurídico, os incentivos atingem a tomada de decisão por parte players. Esses, visualizando a insegurança jurídica criada pelos Tribunais, poderão pautar suas decisões de forma a, inclusive, negligenciar as regras do ordenamento jurídico, diante do erro judiciário. Consequentemente, aumentando a judicialização.

Não parece crível que a IA possa “optar” por uma decisão ou outra. Para isso, a base de dados jurisprudencial deverá ser mais previsível a ponto de podermos ter respostas “certas” para os mesmos “problemas”.

Portanto, um dos pontapés iniciais para que se possa debater a aplicação da IA na tomada de decisão é reforçar a necessidade de uma maior previsibilidade, para que possamos, finalmente, considerar a existência da tão falada segurança jurídica.

___________

1 https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/justica-em-numeros-2024.pdf.

2 https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2025/04022025-STJ-teve-quase-9-mil-decisoes-no-plantao–ano-judiciario-comeca-com-enfase-em-avancos-tecnologicos.aspx

3 https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/07062021-Sexta-Turma-tranca-acao-sobre-furto-de-R–4-em-steaks-de-frango-e-critica-chegada-de-casos-semelhantes-ao-STJ.aspx

4 https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/05/28/adocao-de-ferramentas-de-ia-no-poder-judiciario-cresce-26.ghtml

5 https://ojs.emerj.com.br/index.php/direitoemmovimento/article/view/121/38

6 https://www.cnj.jus.br/cnj-conclui-minuta-de-resolucao-sobre-utilizacao-de-ia-no-judiciario/

7https://repositorio.jesuita.org.br/bitstream/handle/UNISINOS/12992/Dem%c3%a9trio%20Beck_PROTEGIDO.pdf?sequence=1&isAllowed=y

9 PORTO, Antônio Maristello; GAROUPA, Nuno. Curso de análise econômica do direito. São Paulo: Atlas, 2020, p. 317.

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