Nos dias 10 e 11 de fevereiro o Brasil marcou presença na Cúpula para Ação em Inteligência Artificial em Paris, evento que propôs diretrizes globais para a regulação dessa tecnologia emergente. O chanceler Mauro Vieira participou do painel sobre governança da IA, onde abordou temas como governança digital, promoção da integridade da informação e, não surpreendentemente, a defesa da democracia. A participação brasileira ocorre em um momento estratégico: o país acaba de assumir a presidência do BRICS e tramita no Congresso Nacional um projeto de lei para regular o uso da inteligência artificial em território nacional.
Embora à primeira vista a participação do Brasil nesse debate global pareça um passo natural na direção do desenvolvimento tecnológico, há que se considerar os sinais contraditórios que emergem da prática regulatória nacional. Enquanto o discurso oficial do Itamaraty defende uma governança da IA voltada ao “desenvolvimento e redução de desigualdades”, a realidade mostra um aparato estatal cada vez mais focado em controle e restrições.
Não é preciso ir longe para encontrar exemplos: o histórico recente de bloqueios de contas em redes sociais e o próprio banimento do X revelam como instrumentos regulatórios podem ser desviados de sua função original de proteção para servir a outros interesses.
Sob o pretexto de combater a desinformação e garantir o cumprimento de ordens judiciais, vimos a implementação de medidas que afetaram milhões de usuários e estabeleceram precedentes preocupantes para a liberdade de expressão no ambiente digital.
Quando um país que demonstra tal disposição para medidas restritivas se propõe a participar ativamente da construção de uma governança global para IA, é natural questionar: quem realmente se beneficiará dessas regulações? A quem servirá essa estrutura regulatória internacional?
Enquanto o discurso oficial do Itamaraty defende uma governança da IA voltada ao “desenvolvimento e redução de desigualdades”, a realidade mostra um aparato estatal cada vez mais focado em controle e restrições
O Brasil tem um histórico de cultivar a burocracia de forma a sufocar a inovação, valendo-se de regras excessivas e entraves desnecessários. Esta mentalidade – apelidada de “cultura do atraso” -, aplicada à inteligência artificial, ameaça criar um sistema regulatório que, a pretexto de promover desenvolvimento responsável, servirá apenas para expandir o controle estatal sobre a tecnologia.
O projeto de lei que tramita no Congresso Nacional para regular o uso da IA ilustra perfeitamente essa dinâmica. Embora contenha elementos importantes, como a exigência de identificação de conteúdo produzido por IA e supervisão humana em determinados casos, o texto carrega consigo o DNA do regulador brasileiro: a presunção de que mais controle sempre significa mais segurança.
A história, contudo, nos ensina que excesso de regulação frequentemente serve mais aos interesses do regulador do que do regulado – aí incluído o destinatário final de produtos e serviços regulados.
A posição brasileira de defender que as Nações Unidas devem estar no centro das discussões sobre IA merece especial atenção. Ainda que a coordenação internacional seja importante, a centralização excessiva do debate em organismos multilaterais – especialmente quando liderada por países com histórico recente de restrições à liberdade digital – pode resultar em um sistema que prioriza o controle em detrimento da inovação.
O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, lançado durante a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, propõe desenvolver medidas que melhorem a qualidade de vida da população e a entrega de serviços públicos. São objetivos nobres, mas que precisam ser perseguidos sem cair na armadilha do dirigismo tecnológico excessivo, que mais entrava do que promove o desenvolvimento.
Em um cenário global onde a tecnologia representa uma das principais fronteiras de desenvolvimento econômico e social, o Brasil precisa refletir cuidadosamente sobre seu papel. A participação no debate internacional sobre regulação da IA não pode se transformar em uma exportação de nossa tendência regulatória restritiva para o cenário global. A verdadeira defesa da democracia no contexto digital passa pela garantia de um ambiente que fomente inovação, preserve liberdades fundamentais e promova desenvolvimento tecnológico responsável.
O desafio real não está em regular por regular, mas em encontrar um equilíbrio que promova o desenvolvimento tecnológico responsável sem criar amarras que impeçam a evolução natural da tecnologia. Em um momento em que o mundo debate os rumos da IA, é fundamental que o Brasil se posicione mais como defensor genuíno da inovação responsável e das liberdades fundamentais no ambiente digital do que como promotor de restrições travestidas de proteção.