Como as doenças cardíacas passaram de silenciosas a detectáveis por IA
Inteligência artificial está sendo utilizada em tecnologias da prática clínica e também no cotidiano de pacientes
Publicado em 31 de agosto de 2024 às 16:00
Se a máxima de que doenças cardiovasculares são silenciosas imperou por muito tempo na medicina, agora ela está sendo questionada – e justamente pela Inteligência Artificial (IA). “A IA está fazendo o nosso mundo mais saudável pela capacidade de transformar dados em recomendações práticas”, diz a cardiologista Adelaide Arruda-Olson, médica da Mayo Clinic (EUA), hospital referência em pesquisa em saúde.
Ela esteve em Salvador entre os dias 22 e 24 de agosto, durante o Congresso de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia, justamente para falar sobre o impacto da IA na área. Nos estudos que conduz na Mayo Clinic, muitos dos esforços são para trazer a tecnologia para a prática clínica, inclusive em procedimentos já consagrados e tradicionais.
“Essa tecnologia tem sido usada para diagnosticar esses problemas do coração de forma bem precoce, quando estão bem no comecinho. Além de evitar a progressão, a gente descobre qual é o risco para uma pessoa desenvolver a condição. Podemos dizer: ‘o senhor ou a senhora ainda não tem essa doença, mas seu risco de tê-la é de 40%’”, exemplifica Adelaide.
Um dos exemplos é no eletrocardiograma, que é um teste disponível na maioria das clínicas de cardiologia hoje e que analisa a atividade elétrica do coração. Cientistas da Mayo Clinic criaram um programa de IA que analisa, por meio do traçado produzido pelo eletrocardiograma, se há diferentes condições cardíacas ali, a exemplo de como quando o coração fica mais fraco, ou doenças como cardiomiopatia hipertrófica (quando há aumento da espessura do miocárdio).
“Todos esses modelos que foram criados estão disponíveis para os médicos no prontuário eletrônico. O médico aperta um botão e vai fazer a análise imediata do eletrocardiograma via IA”, explica Adelaide.
Em seguida, o médico que acompanha aquele paciente pode indicar e sugerir o que pode ser feito para modificar e reduzir esse risco – evitar um ataque cardíaco ou um acidente cardiovascular cerebral (AVC), por exemplo. “O paciente pode ser muito mais informado sobre o que está acontecendo no próprio corpo por meio de situações relevantes naquele momento, de forma bem precisa e simples”.
Essa tecnologia já está presente em objetos como o estetoscópio digital, mas também em itens de uso pessoal dos pacientes, como alguns smartwatches e camisetas com monitores que acompanham o ritmo cardíaco durante o tempo de uso. Na prática clínica, há, ainda, a calculadora digital que estima o risco de desenvolver uma doença cardiovascular.
“A ideia que a gente tem no nosso programa é de democratizar o acesso a diferentes aplicativos que podem ajudar tanto a médicos quanto a pacientes no diagnóstico precoce e na prevenção”, acrescenta a médica.
Nos últimos anos, os relógios smart que incluem a possibilidade de monitorar a frequência cardíaca se tornaram mais populares. Com eles, é possível detectar uma arritmia, por exemplo. O diagnóstico de arritmia ganhou destaque no noticiário na última semana devido à morte do jogador uruguaio Juan Izquierdo, na última terça-feira (27). Ele, que passou mal em um jogo entre o São Paulo e o Nacional, teve um episódio de arritmia e chegou a ter uma parada cardíaca após deixar o gramado, no dia 22.
Segundo a cardiologista, mulheres têm sintomas de doenças cardíacas diferentes dos homens. Além disso, muitas têm tendência a ignorar esses indícios, como a falta de ar. “A pessoa tem que buscar o filho na escola e começa a sentir algo, mas acha que é só uma queimaçãozinha, uma falta de ar. É muito importante, para nós, mulheres, nos conscientizarmos a escutar o nosso corpo”, explica Adelaide.
Por vezes, os sintomas parecem menos ‘exuberantes’. Não é incomum que procurem os sintomas no Google, ao invés de consultar um médico para fazer a investigação. “Uma pessoa pode estar tendo um ataque cardíaco e só tem um pouco de falta de ar, não tem dor no peito. Minha intenção não é alarmar todas as mulheres, mas informar para que prestem atenção no seu corpo”, pontua.
Por isso, ela analisou o ecocardiograma de estresse para diagnosticar a doença coronariana em mulheres. “A pessoa se exercita numa esteira ou numa bicicleta, enquanto a gente olha as imagens de ultrassom e acessa informações sobre se existe um equilíbrio entre a demanda e a oferta de sangue no coração”, completa.