Uma nova pesquisa identificou a estrutura tridimensional de cromossomos num mamute lanoso fossilizado há cerca de 52 mil anos. A descoberta possibilita um melhor entendimento do material genético do animal e das diferenças que ele apresenta em relação a outras espécies de seres vivos.
O estudo de DNA em materiais fossilizados é comum na ciência moderna e tem até um nome: paleogenética.
Marcela Sandoval-Velasco, do Centro de Hologenômica Evolucionária, da Universidade de Copenhagen, e uma das autoras do artigo, explica que “a descoberta da estrutura 3D de cromossomos antigos melhora significativamente a nossa compreensão da composição genética das espécies”.
Mas um dos problemas desse tipo de pesquisa é a dificuldade de acessar estruturas mais abrangentes do DNA, já que, normalmente, pequenas partes do código genético são preservadas por um longo período de tempo.
O artigo, publicado na última quinta (11) na revista Cell, propôs uma tecnologia que pode colaborar para superar esse gargalo nas investigações desse campo de estudo. O objetivo foi aplicar a técnica de Hi-C, útil para analisar a estrutura de diferentes amostras de DNA. Mas o problema é que, de início, esse método não funcionava para materiais muito antigos.
Então, os pesquisadores levaram anos, realizando diferentes tentativas, até alcançar uma variação da tecnologia que funciona em amostras fossilizadas –essa versão foi chamada de PaleoHi-C. A técnica foi aplicada numa amostra da pele de um mamute que foi congelado naturalmente há cerca de 52 mil anos na Sibéria e descongelado em 2018.
O primeiro objetivo do artigo foi comprovar se seria viável reconstruir a estrutura cromossômica do animal mesmo depois de um longo período de tempo –e de fato foi, um feito inédito, relata Sandoval-Velasco. Esse resultado do estudo indica o sucesso da tecnologia PaleoHi-C, mas também demonstra que é possível uma estrutura tão frágil como a cromossômica se manter intacta mesmo após milhares de anos.
Nesse caso, os cientistas contam com a hipótese da transição vítrea para explicar como isso ocorreu. No artigo, os autores explicam que esse fenômeno envolve “um processo físico pelo qual fatores como resfriamento e desidratação podem efetivamente interromper a difusão das moléculas em um material”. O processo resulta em um ambiente comparável a um estado de congelamento em um vidro, o que impede a deslocação das moléculas.
No caso dessa amostra, o fato de o mamute ter sido congelado na Sibéria, região com invernos rigorosos, pode ter sido o fator determinante para ocorrer a transição vítrea e, consequentemente, a preservação do material genético do animal analisado.
Mas fenômenos semelhantes podem ocorrer em outros tipos de ambiente que não são necessariamente frios. Segundo Sandoval-Velasco, o ar quente também pode levar à desidratação interna do material orgânico, causando a transição vítrea.
Descobertas sobre o mamute
A reconstrução da estrutura cromossômica do mamute também trouxe novas informações sobre essa espécie já extinta. Para isso, o estudo envolveu comparações dos dados identificados do mamute com informações já existentes de elefantes e outros mamíferos.
Por exemplo, uma dessas associações foi com o elefante-asiático, uma espécie ainda viva e próxima do mamute. Semelhanças e divergências foram observadas entre os dois animais. Por exemplo, as duas espécies contam com o mesmo número de pares de cromossomos: 28, enquanto na espécie humana são 23.
Já no campo das diferenças, observou-se que o mamute tinha outros padrões de ativação genética em relação ao elefante-asiático. Isso representa, por exemplo, uma alteração no desenvolvimento do pelo entre os dois animais, o que pode ser um indicativo de adaptações presentes no mamute considerando o ambiente extremamente frio que habitava. Além disso, a amostra do mamute contava com 800 genes que não foram encontrados no elefante-asiático.
Tanto as descobertas sobre o animal quanto o simples fato de que foi possível reconstruir a estrutura cromossômica dessa amostra demonstra o sucesso da PaleoHi-C, a tecnologia desenvolvida para o estudo. Sandoval-Velasco espera que o método seja aperfeiçoado, mas, por enquanto, ela ressalta a importância de utilizá-lo cada vez mais em outros estudos.
“Esperamos que mais amostras de diferentes contextos ao redor do mundo sejam encontradas e estudadas usando essas novas metodologias”, afirma a pesquisadora.
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