Especialistas destacam a importância dos professores no processo da IA na educação, mas criticam a falta de ampla discussão sobre o assunto; projeto de lei segue para a Câmara dos Deputados
Por Felipe Medeiros
D iante do avanço tecnológico, sobretudo das inteligências artificiais, a presença dessa tecnologia está cada vez mais presente na vida dos estudantes e ambientes escolares no Brasil. Segundo uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), em conjunto com a Educa Insights, o número de universitários e futuros estudantes que possuem conhecimento sobre IA cresceu de 69% em 2023, para 80% em 2024. O estudo também apresentou um aumento no uso dessa tecnologia entre os alunos universitários. No ano passado, cerca de 53% utilizavam com frequência as IAs na vida acadêmica, neste ano o número cresceu para 71%. Diante desse cenário, a aprovação do Marco Regulatório da Inteligência Artificial no Senado trouxe um debate para especialistas, sobretudo, em como essa regulamentação vai contribuir para o desenvolvimento dessa tecnologia no ambiente escolar e acadêmico.
No último dia 10, o Senado aprovou o projeto de lei que regulamenta o uso de inteligência artificial no País. A proposta determina limites para o uso da tecnologia e prevê sanções para práticas indevidas e para quem não cumprir as regras, além de assegurar direitos aos usuários, como proteção de dados, privacidade e a possibilidade de contestar decisões automatizadas. O projeto, apresentado em 2023 por Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, foi votado em caráter de urgência e agora segue para a Câmara dos Deputados onde será analisado.
Marco Regulatório
A professora Cíntia Rosa Pereira de Lima, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, analisa o projeto de lei e destaca a falta de tempo hábil para o desenvolvimento de um projeto sobre um tema fundamental na sociedade. “O Marco Regulatório da Inteligência Artificial do Brasil não teve o tempo de amadurecimento e debate que a complexidade do tema impõe.” A professora ainda cita a inspiração do projeto europeu e faz um adendo sobre a responsabilidade civil para a aprovação, “o grande problema é a responsabilidade civil. Há uma regulação com base em risco muito inspirada na União Europeia, mas precisa ser levado em consideração tanto a realidade socioeconômica e tecnológica do Brasil quanto a própria legislação brasileira que já existe.
Segundo a docente, a regulamentação pode afetar o uso da inteligência artificial no contexto educacional do Brasil. Ela destaca a importância dos professores no processo de ensino. “O auxílio de inteligência artificial na elaboração de algum material, mesmo na gestão dos serviços educacionais e profissionalizantes, é positivo. A inteligência artificial surge para otimizar a prestação de serviços, porém no caso de substituição de professores, desenvolvedores de conteúdo educacional e profissionalizante, eu acredito que não seja viável e não seja socialmente adequado esse tipo de substituição.”
Cíntia acredita que é fundamental investir em IA na educação, além de conscientizar a população sobre os riscos que ela pode trazer. “Inteligência artificial é um tema inevitável. É impossível imaginar a sociedade atual sem aplicação dessa ferramenta. O importante é investir em educação e esse é um aspecto que o projeto de lei pouco pode fazer, já que requer interesse público, governamental e políticas públicas inovadoras e eficientes que possam capacitar a mão de obra que a gente tem hoje. Muitas delas serão substituídas, então essas pessoas precisam ser capacitadas para se realocarem no mercado de trabalho e exercer outras profissões com o uso de inteligência artificial. Além disso, a conscientização da população sobre os riscos e informar sobre o uso dessa tecnologia é fundamental.”
A professora Silvana Giuliatti, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, que possui pesquisas e trabalhos relacionados ao uso de inteligência artificial no ambiente universitário, por sua vez, diz que a aprovação do projeto é importante para o avanço da tecnologia no País. “É importante e necessário. Ainda faltam itens importantes como os relacionados às redes sociais, mas penso que estamos no caminho certo.” A professora faz uma análise sobre os impactos na educação do País das propostas presentes na regulamentação e destaca a necessidade de regras para o uso da tecnologia. “Não vejo impactos negativos. Penso que é uma proposta que com sua implementação iremos perceber que ajustes serão necessários. Entretanto, penso que é necessário implementarmos regras de uso a fim de manter os direitos dos envolvidos.”
Silvana analisa o incentivo que a regulamentação pode trazer para o uso ético dessa tecnologia no ambiente escolar e em universidades e destaca as IAs como ferramentas de formação de ensino. “No ambiente acadêmico, penso que temos que usar e ensinar a usar as IAs como ferramentas de formação, de ensino. A regulamentação cita também os direitos autorais. Portanto o plágio, que já é proibido, deve ser avaliado também quando estiver presente em uma atividade realizada com uso de IA, como monografias, dissertações, teses, artigos científicos, entre outros.”
A docente sugere outra medida que poderia ser adotada para melhorar o uso das IAs no País, dando ênfase aos professores. “Precisamos, com urgência, rever os métodos de ensino e os métodos de avaliação. Para isso, a segunda demanda urgente é a formação dos docentes para essa nova era no ensino.” Silvana conclui destacando a importância de saber como utilizar a tecnologia da melhor forma possível. “Esse é um futuro do qual não iremos escapar e não acho que devemos. Como toda boa invenção só precisamos saber usá-la para o bem de todos.”
*Estagiário sob supervisão de Ferraz Junior e Gabriel Soares