Jorge Teixeira da Cunha, Diocese do Porto
A evolução tecnológica tem ocupado cada vez mais o centro das preocupações dos nossos países ditos desenvolvidos. É sobretudo a questão da inteligência artificial que é o centro do problema. O próprio Vaticano acaba de publicar um documento orientador que tem um bom título: “Antiqua et nova”. Realmente a questão da tecnologia é algo que a humanidade desenvolve desde que existe sobre a terra, como forma de assegurar a continuidade da sua vida. Por outro lado, a tecnologia de hoje tem adquirido um nível de expansão que nos deixa perplexos, a ponto de pensar que a máquina se ser capaz de imitar ou substituir a inteligência humana.
Como pensar este assunto?
A primeira coisa que ocorre dizer é que a inteligência artificial se desenvolve no âmbito da nossa acção produtiva. Mas além da acção produtiva, a nossa actividade é feita de outras dimensões, como a acção moral e o conhecimento dito teórico em que não há perigo de sermos substituídos pela artificialidade.
Vejamos então o que é a acção produtiva que tanto pode melhorar a nossa vida com o desenvolvimento tecnológico. Os gregos chamavam “poiesis” a acção que produz um resultado visível. Tudo o que fazemos na agricultura, na pesca, na indústria, na construção civil, desde a investigação à execução de projectos, é acção produtiva. Está em causa o principal do trabalho, pelo qual asseguramos o nosso dia-a-dia. Ora sabemos como o trabalho da terra ou da indústria foi e é muito custoso para tantos seres humanos. Por isso, salvo melhor opinião, não identificamos nenhuma objecção de fundo ao desenvolvimento da inteligência artificial para nos substituir no trabalho duro da produção. Que venha o robot, quanto antes, para realizar em vez de nós as tarefas produtivas que nos fazem suar. Não esqueçamos que essas tarefas, na antiguidade, eram impostas aos escravos. Hoje, o humanismo melhorou muito as coisas e podemos confiar na superação do aspecto servil que o trabalho ainda tem. O alarme que a chegada de novas máquinas sempre causou aos sindicatos de ontem e de hoje nunca foi um problema por muito tempo. Não esqueçamos que as sociedades mais desenvolvidas tecnologicamente foram e são as que têm menor nível de desemprego.
Claro que a inteligência artificial tem mais aspectos do que este. Ela também se aplica à transmissão de informações e conhecimentos, também desenvolve artefactos que vão sendo aplicados ao nosso corpo pela medicina de presente e do futuro. Aqui surgem novas interrogações. O Chat GPT e os outros grandes armazéns de dados são comandados por algoritmos que podem manipular-nos e nos manipulam realmente. Por sua vez, as “peças” artificiais que vão melhorar a nossa saúde e longevidade colocam-nos perante a necessidade de nos pensarmos com mais cuidado e de não nos esquecermos de quem somos, como humanos. Uma medicina tecnológica e uma melhor antropologia são ambos nobres tarefas do futuro.
Do ponto de vista da nossa visão cristã do mundo, não parece haver motivo para ficarmos alarmados. Mas, para que sejamos defendidos dos perigos da inteligência artificial, temos de investir em algo em que temos investido muito pouco. De que se trata? Do nosso investimento na formação da nossa personalidade moral e da nossa espiritualidade. De facto, temos desprezado completamente a formação moral, tanto no sistema educativo, como até na pastoral da Igreja. Ora, a inteligência artificial nunca poderá substituir-nos na tarefa de nos fundarmos no bem, na norma moral, na experiência religiosa autêntica. Se os seres humanos do presente e do futuro investirem em si mesmos pela via da experiência moral e da experiência religiosa não haverá inteligência artificial que nos ponha em perigo. O problema é que não estamos a fazer isso.
Temos de lembrar ainda que Jesus inovou a cultura quando nos lembrou que para sermos bons pescadores de peixes, tínhamos de ser bons pescadores de homens. Esta metáfora do evangelho tem uma sabedoria profunda. Quando os apóstolos seguem Jesus, acontece a pesca milagrosa. Ser pescador de homens é assentar a vida na fé. Quem vai por aí, será capaz de resistir à manipulação, será cada vez mais capaz de recusar com firmeza as guerras escandalosamente mais destrutivas pela inteligência artificial.
São necessários homens novos para um mundo novo. Teremos capacidade de desenvolver a cultura de hoje pela iniciação ao Evangelho? Se formos, não há que ter medo da inteligência artificial.