postado em 23/02/2025 06:00
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- (crédito: Divulgação) A UFG firmou parcerias em 2019 para incorporar o curso, ofertado a partir de 2020. A primeira turma de IA se formou no ano passado
- (crédito: Divulgação)"
A UFG firmou parcerias em 2019 para incorporar o curso, ofertado a partir de 2020. A primeira turma de IA se formou no ano passado
– (crédito: Divulgação)
A maior nota de corte da Universidade Federal de Goiás (UFG), por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), foi de inteligência artificial (IA), que superou a de medicina nesta edição. A nota de corte é a menor pontuação necessária para ser selecionado para um curso, calculada com base no número de vagas disponíveis e no total de candidatos inscritos para cada graduação.
Em 2020, o curso tinha a nota de 751,93, e passou para 811,01 em 2025. Na sequência, outros cursos com nota de corte alta são: engenharia de software (799,89); medicina (798,15); ciência da computação (781); direito — matutino (773,99) e noturno (760,78); sistemas de informação (760,44); psicologia (751,42); direito — campus Goiás (747,5) e arquitetura e urbanismo (746,40).
“Este ano, considerando os pesos atribuídos, os cursos de tecnologia da informação (TI) demonstraram concorrências bastante qualificadas, então a concorrência quantitativa é uma consequência. Mas, se os próximos candidatos perceberem nesses cursos um mercado de trabalho atrativo e promissor, ou seja, fatores externos, como expectativas salariais e condições de trabalho, que interferem muito mais, também pode haver o aumento ainda mais expressivo dessa concorrência”, diz a Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Federal de Goiás (Prograd/UFG).
Além da UFG, existem outras faculdades que têm planos de inserir o curso, como a Universidade Estadual de Londrina (UEL), a Universidade Municipal de São Caetano do Sul, a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a Universidade Federal do Catalão e a Universidade Fedral do Rio Grande do Norte (UFRN). A Universidade Federal da Paraíba (UFPB) oferece o curso desde 2020, com o nome de ciência de dados e inteligência artificial.
Teobaldo Leite Bulhões Júnior, coordenador do curso na UFPB, afirma que existe preparação de profissionais para um mercado em plena expansão, em que a demanda por especialistas em análise de dados e aprendizado cresce. “Com uma formação robusta e atualizada, os egressos da UFPB saem altamente capacitados e bem posicionados para atuar em diversas áreas estratégicas da indústria e da pesquisa, contribuindo para o avanço tecnológico e a inovação no país”, diz em nota.
Pioneiros
Anderson Soares, coordenador de IA da UFG, acompanhou a criação do curso: “No início, já teve a 3ª maior nota de corte”
(foto: Divulgação)
Anderson Soares, coordenador de IA da UFG, relata que, no passado, os profissionais que faziam projetos de inovação tecnológica para as empresas ficavam restritos à formação em ciência de computação, sob titulação de mestre ou doutor. A discussão sobre criar a graduação surgiu em 2017, mas não foi para frente, e só em 2019 a UFG firmou uma parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) para poder incorporar o curso na universidade, sendo ofertada a partir de 2020.
Mesmo com o ineditismo, Anderson conta que o curso tinha uma base sólida, que é o conhecimento sobre a tecnologia e as potencialidades no mercado de trabalho, o que fez com que evoluísse rapidamente. “No início, o curso já teve a terceira maior nota de corte da universidade. Havia clareza e um pouco de segurança por parte das famílias dos candidatos.”
Com maior proprorção no uso da inteligência artificial, o coordenador acredita que, mesmo fazendo parte de qualquer inovação, a carreira ainda vai se consolidar, como foi na época do surgimento dos computadores. “Foi um fenômeno o curso ser procurado em pouco tempo, e as informações correm mais rápido. Com o tempo, a profissão se tornará mais clara, porque a IA é um processo em construção para as diversas camadas em sociedade.”
Diante disso, Anderson visualiza perspectivas positivas para o mercado de trabalho na área, como a qualificação da mão-de-obra brasileira, sem depender de empresas estrangeiras.
Evolução da graduação
Gabriel Urzeda e Gustavo Barbosa, 24 e 23 anos, respectivamente, foram os graduados na primeira turma de inteligência artificial na UFG, entrando em 2020, e se formando em março de 2024. Gustavo acredita que a popularização do curso está relacionada à alta das discussões sobre futuro e tecnologia. “Houve um grande crescimento no investimento de pesquisa e desenvolvimento em IA, com o Centro de Excelência em Inteligência Artificial (CEIA), que nem sabíamos o que era, ganhando cada vez mais reconhecimento e atraindo a atenção tanto para a UFG quanto para Goiás.”
Gustavo Barbosa, 23 anos, vê mais investimento em pesquisa na área
(foto: Arquivo Pessoal)
Além disso, ele fala que, para trabalhar na área, é preciso que a pessoa goste de tecnologia e tenha interesse sobre os mecanismos por trás dos principais modelos de IA, como ChatGPT ou Deep Tech, porque integra o funcionamento do curso. “E é preciso, principalmente, gostar de inovação, porque é isso que fazemos, agitamos diversas áreas com essas ferramentas tecnológicas”, descreve.
Nesse sentido, Gabriel explica que o alto interesse no curso surgiu da maior presença da IA no cotidiano das pessoas. “Temos que esperar os próximos anos, mas, cada vez mais, fala-se em tecnologia, e no nosso dia a dia, a inteligência artificial está sempre envolvida, é um fenômeno cada vez maior, e muitas pessoas já nasceram usando essas ferramentas, então, trabalhar na área se torna uma possibilidade.”
Mercado de trabalho
Hoje, ambos trabalham na área: Gabriel é pesquisador do CEIA tem uma startup, a Automode, desenvolvendo projetos de inteligência artificial para empresas; enquanto Gustavo é engenheiro de aprendizado de máquina, sendo responsável por criar, treinar, implantar e monitorar modelos da área.
Gustavo observa que há uma alta demanda por parte das empresas por profissionais que trabalham com essas tecnologias. “É uma área relativamente nova para a maioria das pessoas, e que só tende a despertar o interesse tanto das empresas quanto da sociedade”, defende.
O pesquisador acrescenta que a alta demanda tem a ver com o maior investimento por parte das organizações na adoção de soluções de IA. “O mercado é amplo, dinâmico e com grande potencial de crescimento, especialmente com oportunidades internacionais e remuneração em dólar, há muitas vagas disponíveis, e os salários iniciais já são acima da média em comparação com outras áreas da tecnologia.”
Gabriel Urzeda, 24 anos: “Cada vez mais, a IA está presente no cotidiano”
(foto: Arquivo Pessoal)
Em relação à nota de corte do curso ter superado a de medicina, Gabriel observa mudanças culturais no país e no mundo. “Medicina é uma área mais tradicional, em que mais pessoas querem ingressar por causa das oportunidades no mercado; mas a inteligência artificial ter alcançado essa nota significa mudança nesse panorama, que vão desde as escolhas individuais até mudanças de perspectivas por parte da sociedade.”
No entanto, ambos entendem que existem desafios, como a necessidade de profissionais experientes e de cargos específicos para eles. “A nota de corte superar a de outros cursos está diretamente relacionado a essa realidade do mercado: a escassez de profissionais qualificados, as altas perspectivas financeiras e o crescente conhecimento da sociedade sobre essas tecnologias”, explica Gustavo.
Desafios
Prisiclla Toledo, cofundadora da Stellula, aconselha empresas a mapearem jornadas, estruturar dados e capacitar pessoas
(foto: Divulgação)
Priscila Toledo, cofundadora da startup de tecnologia Stellula acredita que ainda haverá evolução da IA no mercado de trabalho nos próximos anos. Para isso, “as empresas precisam investir em mapeamento de jornadas, estruturação de dados e, principalmente, na capacitação das pessoas para lidar com essa nova realidade.”
Nesse sentido, ela defende que, para os cursos na área, o desafio é trabalhar além do domínio técnico e ter compreensão sobre negócios, pensamento crítico, estratégia digital e governança de dados. “Saber operar um modelo de IA é uma coisa, mas formular as perguntas com a profundidade e precisão necessárias para obter respostas realmente valiosas exige muito mais. A formação precisa ir além da programação e incluir filosofia, raciocínio rápido e matemática aplicada”, aconselha.
*Estagiária sob a supervisão de Marina Rodrigues