De Miguel Oliveira (*)
Num mundo cada vez mais imerso na inovação tecnológica, a ascensão da Inteligência Artificial (IA) desencadeou a formação de três “tribos” distintas com visões divergentes sobre o futuro da nossa coexistência com a tecnologia: os Doomers, os Luditas, e os Otimistas. Estas tribos não só personificam as variações na perceção sobre a IA, mas refletem o impacto da profundidade do conhecimento e do grau de envolvimento na formação das nossas posturas em relação a esta força disruptiva.
A tribo dos Doomers (aqueles com visão apocalíptica da IA) visualiza o avanço da IA com um olhar carregado de cautela e previsões sombrias. Predominantemente preocupados com cenários apocalíticos, onde a IA ultrapassa a inteligência humana e escapa ao nosso controle, os Doomers advogam por uma abordagem mais restritiva e altamente regulamentada no desenvolvimento da IA. A sua perspetiva é muitas vezes alimentada por um conhecimento profundo das potencialidades e limitações da IA, frisando que a nossa falha em antecipar e mitigar riscos pode levar a consequências desastrosas. São o alerta da catástrofe tecnológica.
Nos Luditas modernos, encontramos uma resistência ao avanço tecnológico desenfreado, um eco da sua origem histórica. O ludismo foi um movimento social inglês do final do século XVIII e início do século XIX que consistia no protesto contra a industrialização através da invasão de fábricas e quebra de máquinas. Caracterizado pelo temor que a adoção da IA possa erradicar os empregos, a privacidade e as interações humanas genuínas, levando a uma sociedade desumanizada e alienada, defendem um escrutínio rigoroso e uma reflexão sobre a adoção da IA, destacando a importância de preservar os valores humanos. São a resistência à perda da humanidade.
Contrastando com as visões mais cautelosas dos Doomers e Luditas, os Otimistas veem a IA como uma força para o bem, capaz de resolver desafios globais, da saúde à sustentabilidade, e de melhorar significativamente a qualidade de vida. Esta tribo acredita firmemente na capacidade da humanidade de moldar o desenvolvimento da IA de maneira a que maximize os benefícios, enquanto minimiza os riscos. Equipados com um conhecimento robusto das potencialidades da IA, os Otimistas envolvem-se ativamente na promoção de usos éticos e inovadores da tecnologia, vendo-a como uma ferramenta para o avanço humano. São os crentes num progresso beneficiente.
No centro do debate sobre o futuro da IA, a controvérsia entre regulação e inovação surge como um campo de batalha crucial, onde as perspetivas dos Doomers, Luditas e Otimistas colidem e convergem. Os Doomers reclamam por salvaguardas rígidas, argumentam que a regulação é essencial para prevenir o avanço descontrolado da IA, potencialmente ameaçador à existência humana. Os Otimistas advogam que, embora a regulação seja necessária para garantir o uso ético e seguro da IA, não deve sufocar a inovação, a qual tem o poder de catalisar soluções revolucionárias para desafios globais. Os Luditas, embora preocupados com as implicações sociais e humanas da adoção acrítica da tecnologia, podem ver na regulação um meio de equilibrar progresso tecnológico com preservação dos valores humanos. Este equilíbrio delicado entre incentivar a inovação e impor limites regulatórios necessários reflete a complexidade de navegar no progresso da IA de uma maneira que beneficie a sociedade como um todo, sem comprometer a segurança ou a integridade ética.
Na discussão sobre o futuro da IA, a tensão entre inovar e regular define o campo onde Doomers, Luditas e Otimistas encontram seu terreno comum. Doomers pedem regras fortes para evitar o descontrolo, enquanto Otimistas veem na inovação uma forma de atingir avanços tecnológicos com impactos nos maiores desafios da Humanidade. Luditas, preocupados com o impacto humano, querem que a tecnologia respeite os nossos valores. O equilíbrio entre essas forças não é um impasse, mas uma conversa necessária para criar uma IA que beneficie a todos, mantendo a essência do que significa ser humano. Este é o nosso desafio coletivo: harmonizar o progresso tecnológico com princípios humanos, incluindo diferentes óticas, mas que integrem perspetivas baseadas na evidência e na experimentação e não em dogmas e crenças.
(*) membro da Direção Nacional da Ordem dos Psicólogos Portugueses
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