Há uma série de competências técnicas e sociais e/ou pessoais que os estudantes que saem da faculdade devem dominar, já que vão ser decisivas no momento do recrutamento
“Os trabalhos estão a mudar muito mais rapidamente do que anteriormente”. E se saber escrever e falar fluentemente em inglês é há muito tempo um requisito obrigatório e até decisivo no momento do recrutamento, agora tem um novo aliado: dominar a Inteligência Artificial (IA) – que vai ser crucial para as profissões do futuro.
A Apple já tem uma linha de telemóveis criada a pensar especificamente na IA, o Fisco português vai usá-la para controlar os contribuintes e o novo modelo de IA do fabricante do ChatGPT até já raciocina e pensa “muito como uma pessoa”. É por isso normal e expectável para os especialistas que as profissões do futuro impliquem “saber lidar com a IA generativa”, diz à CNN Portugal Rita Fontinha.
A professora associada em Gestão Estratégica de Recursos Humanos na Henley Business School da Universidade de Reading, no Reino Unido, recorda que “antes eram só os engenheiros informáticos que dominavam estes temas”. “Agora todos vão ter de ter conhecimentos sobre isto, porque todas as funções vão usá-las como recurso”, avisa.
E, a par do domínio da IA, surgem outras e novas valências que os estudantes que saem das universidades devem dominar, porque vão ser decisivas no momento do recrutamento por parte das empresas. É o caso, aponta Pedro Hipólito, partner da Argo – empresa de consultoria em People Strategy e Executive Search – de saber trabalhar com “sistemas e ferramentas de gestão de informação”. “Hoje em dia em quase todas as funções há a possibilidade de otimizar o trabalho se as pessoas souberem tirar partido da Inteligência Artificial”, observa.
Uma dimensão significativa está a ter também o domínio das ferramentas de visualização de dados e de informação – uma valência “muito valorizada”, sublinha Pedro Hipólito. É o caso do Power BI, do Infogram ou do Google Charts – que permitem organizar os dados de forma gráfica e interativa para facilitar a interpretação dos mesmos.
As mudanças dão-se não só no campo técnico como encontram verdadeiros aliados em determinadas competências pessoais e/ou sociais. Ao lado da IA, de acordo com Rita Fontinha, deve estar sempre o pensamento crítico. “O ChatGPT dá respostas automáticas e temos de ter pensamento crítico sobre como usar e aplicar a informação à realidade dos empregos”, exemplifica.
Nunca um trabalhador autónomo foi tão importante como agora. “Com o trabalho remoto e cada vez mais empresas a dar essa hipótese, nem sempre há a possibilidade de as pessoas serem acompanhadas por outros funcionários mais seniores como acontecia antes”, explica Pedro Hipólito. Desta forma, “quem sai da faculdade tem de ter esta autonomia e capacidade de se automotivar” de forma constante.
Com o trabalho remoto, vem também a “capacidade de cooperação e de conseguir criar ligações mesmo à distância”. Estas são, diz o partner da Argo, características que já eram essenciais nos trabalhadores e que se viram impulsionadas pela pandemia.
Mas tudo isto não chega. Cada vez mais deve prevalecer a ideia de uma aprendizagem constante, independentemente da área de formação – o “learning how to learn”. Pedro Hipólito sublinha que “a capacidade de as pessoas cultivarem o conhecimento, de gostarem de aprender e não estarem focados só na sua área de formação é valorizado”.
“É necessário continuar a aprendizagem ao longo da vida”, concorda a professora Rita Fontinha. “Uma das grandes competências é a adaptabilidade e o aprender ao longo da vida – não basta aprender ao longo da vida e pensar que se acabou o ciclo de aprendizagem, tem de ser contínuo”, continua.
Hoje tudo “muda tudo muito rápido”, sublinha a professora a exercer no Reino Unido, e se há uns anos um economista só tinha de dominar a área da Economia, hoje já não é assim. “Hoje há a necessidade de aprender outras áreas. Cada vez mais profissões vão buscar conhecimentos de outras áreas”, concorda Pedro Hipólito.
Rita Fontinha avisa ainda que “daqui a 10 anos não vai existir o mesmo leque de trabalhos em oferta”, sobretudo com a evolução “muito rápida e incomparável face a outras mudanças tecnológicas no passado”, que veio com o desenvolvimento da IA. “Os trabalhos estão a mudar muito mais rapidamente do que anteriormente”, constata.
As profissões do futuro
Falar sobre o futuro sem falar sobre a Inteligência Artificial, como já vimos, não parece possível. E os dois especialistas em recursos humanos não têm dúvidas que as profissões dos próximos anos vão estar ligadas à mesma. “Os empregos vão estar associados ao consolidar e processar a Inteligência Artificial e como a aplicar a diferentes realidades – a financeira, a engenharia, as ciências médicas, onde o processamento do ADN já é feito a nível de IA”, aponta Rita Fontinha.
Um relatório publicado pelo Fórum Económico Mundial em 2022 já dava conta da crescente importância dos especialistas em Machine Learning e Inteligência Artificial no mercado. “Existe um forte aumento da procura em Portugal por parte das empresas. As pessoas saem do curso e vão logo para uma empresa nacional ou internacional. Os alunos acabam o curso e têm logo emprego”, dizia à data Alípio Jorge, professor associado do Departamento de Ciência de Computadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e coordenador do LIAAD, Laboratório de Inteligência Artificial e de Apoio à Decisão da Universidade, à CNN Portugal.
E é impulsionada pelo constante evoluir da tecnologia que o especialista Pedro Hipólito aponta uma nova profissão: o chief ethics officer. Em causa está o cargo de diretor de uma espécie de departamento de ética que as empresas vão criar – e que já está a aparecer e a “crescer bastante” nos EUA – para a ‘fiscalização’ do uso da IA.
“Fazemos tanta coisa com a Inteligência Artificial que se começa a pensar em definir a fronteira entre o que foi feito por nós e o que não foi”, diz Pedro Hipólito. E exemplifica: “Na área da música, se peço a uma ferramenta de IA para criar uma música como posso dizer que é minha?”
Crescem também os empregos relacionados com a saúde mental, a par do trabalho dos psicólogos. Surge neste contexto o chief of happiness officer – o responsável pelo bem-estar dos trabalhadores dentro de uma empresa. Tal, constata o partner da Argo, “decorre da preocupação com a saúde mental e com os problemas de saúde mental”. Neste contexto, aconteceu no ano passado o 1.º Congresso Nacional de Saúde Mental no Local de Trabalho.
E os empregos que envolvem “a gestão de pessoas” são “uma área em grande crescimento”. “Há cada vez mais necessidade das empresas manterem as pessoas motivadas”, sublinha Pedro Hipólito. As energias renováveis e a aeronáutica e aeroespacial são também áreas nas quais, segundo o partner da Argos, vai haver “muita procura nos próximos anos”.
Se as profissões relacionadas com a ética nas empresas só devem aparecer em Portugal “a longo prazo”, tal não acontece com as restantes – que já existem ou que vão começar a aparecer em breve.