DeepSeek, ChatGPT, Gemini. O uso da inteligência artificial divide opiniões entre os advogados. Enquanto alguns acreditam que as ferramentas reduzem horas de trabalho, outros torcem o nariz a respeito e relutam em conhecê-las. Mas a pergunta que não quer calar é: os advogados podem se beneficiar, de fato, dessas tecnologias, especialmente as generativas? Perderão mercado de trabalho ou ganharão qualidade e eficiência, ganhando mais tempo para o uso da inteligência natural? Para responder a essas perguntas, fizemos três testes usando as duas ferramentas de IA mais conhecidas, o ChatGPT e a chinesa DeepSeek, recém-lançada.
No primeiro teste fizemos uma consulta direta, com uma pergunta sobre um tema jurídico qualquer. Pedimos para a ferramenta discorrer sobre o adicional de insalubridade previsto na legislação. Entre um “pode ser em grau baixo, médio ou alto” e um “incide sobre o salário-mínimo”, o robô disse espontaneamente que o adicional de insalubridade pode acumular com o adicional de periculosidade.
Seria uma “alucinação” (expressão usada quando a IA erra)? Em seguida, perguntamos expressamente se de fato podiam acumular os dois adicionais e ele, então, “reviu sua posição”. Errou, mas corrigiu. Ou corrigiu, mas errou?
O segundo teste envolveu a análise de uma ação trabalhista ajuizada por um trabalhador contratado como pessoa jurídica e que pedia o reconhecimento do vínculo de emprego. Pedimos sugestões de perguntas para fazermos ao cliente como forma de obtermos subsídios para a preparação da defesa do caso.
Neste caso, o robô elencou pontos relevantes do tema (subordinação, pessoalidade, não eventualidade, exclusividade, instrumentos de trabalho) e estratégias para a defesa (análise do contrato e da prática, autonomia do trabalhador, provas documentais).
Surgiram perguntas como: o contrato era escrito e ele emitia notas fiscais? o trabalhador tinha autonomia para decidir como executar o trabalho? havia controle de horários e jornada? era supervisionado de perto e recebia ordens e instruções específicas? usava instrumentos de trabalho próprios ou da empresa? E várias outras desse nível.
O terceiro e último teste foi aquele que é o sonho de todo advogado e que também é a maior preocupação para os que pensam na proteção do mercado de trabalho. Pedimos ao robô para preparar as razões finais de um caso concreto.
O processo era sobre horas extras. Transcrevemos os depoimentos e demos um modelo só sobre esse tema. A ferramenta abordou alguns pontos importantes e outros que não fariam sentido, seja por não terem grande impacto, ou por beneficiarem a outra parte.
Diante dos testes descritos acima, a conclusão é que a IA pode ser uma ferramenta muito útil e ajudar os advogados, mas com muitas ressalvas. O que podemos notar é que a ferramenta é mais eficiente no início do trabalho do que no fim. Isto é, se o usuário fizer uma pergunta factual, ela pode errar. Se perguntar qual o recurso cabível em face de um acórdão de recurso ordinário, provavelmente ele vai dizer que é um recurso de revista. Mas quando perguntamos se a execução estava garantida e podíamos agravar de petição mesmo que tivesse o depósito de uma correção a ser feito, ele respondeu que sim.
Portanto, os profissionais podem e devem pedir ajuda ao robô. Mas é preciso revisar atentamente depois e não confiar cegamente na ferramenta. Isso é o que estamos chamando fim do trabalho. O início do trabalho seria fazer perguntas mais abertas e antes de escrever qualquer coisa.
Que perguntas eu poderia fazer à parte contrária para obter uma confissão? Por quais ângulos eu devo analisar o caso para elaborar um parecer? O que o cliente deve me dizer antes de elaborar essa peça?
Aqui, no início do seu trabalho, no momento de refletir e pensar em táticas e estratégias, o robô vai lhe ser mais útil. Entretanto, isso é a realidade atual, e deve mudar em breve. Existem empresas e startups focadas em Direito que vão fazer essas ferramentas evoluírem num futuro não tão distante.
Quando as máquinas forem mais bem treinadas, especificamente com dados jurídicos, imaginamos que a taxa de erro vai desabar e novas possibilidades vão surgir. Será possível fazer peças e pesquisas com o máximo de granularidade.
Ao invés de pedir um acórdão que verse sobre insalubridade em hospitais, por exemplo, será possível pesquisar um acórdão que verse sobre insalubridade de enfermeiro que trabalhe 12×36 no período noturno de uma UTI sem pacientes com doenças infectocontagiosas e tendo mais atuação administrativa do que lidando com pacientes.
Vamos continuar testando novas possibilidades com as novas tecnologias. Aprendendo, trocando experiências e compartilhando nossas vivências. Todos os profissionais, independentemente da área de atuação, devem começar a fazer os testes nas ferramentas de IA, mesmo que eventuais, para começar a se familiarizar com essas ferramentas. Porque elas podem deixar de ser (pouco) úteis e se tornarem imprescindíveis um dia.