O 24º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho encerrou as atividades do primeiro dia, nesta quinta-feira, 8/8, com o 4º painel intitulado “Instrumentos de Inteligência Artificial na Atividade Judicial”. Palestraram a juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), Roberta Ferme Sivolella, e o advogado Renato Opice Blum. Responsável por mediar o painel, apresentando o currículo dos debatedores, a desembargadora Gisela Rodrigues Magalhães de Araujo e Moraes comentou sobre os impactos da pandemia da Covid-19 e o quanto a Justiça do Trabalho foi rápida em fazer uso da tecnologia para dar continuidade à prestação jurisdicional no período de isolamento social.
Em uma interação com o público por meio virtual, Roberta Sivolella reforçou o vanguardismo da Justiça do Trabalho durante a pandemia, citando também a criação do programa Justiça 4.0 do CNJ, voltado às soluções digitais colaborativas que automatizam as atividades dos tribunais e o Juízo 100% Digital. Segundo ela, é impossível dissociar a atividade judicial do uso da tecnologia nos dias de hoje. A juíza abordou conceitos centrais de inteligência artificial (IA) e destacou o arcabouço regulatório vigente, como a Resolução 332/2020 do CNJ.
A magistrada mencionou também o projeto de Lei 2.338/2023, em tramitação no Senado Federal, que dispõe sobre o uso de IA com o objetivo de proteger os direitos fundamentais e garantir a implementação de sistemas seguros e confiáveis, em benefício da pessoa humana, do regime democrático e do desenvolvimento científico e tecnológico. O projeto prevê a proibição de sistemas de risco excessivo e delimita quais são os de alto risco e suas obrigações, entre outras temáticas. Roberta abordou alguns temores relacionados à IA, principalmente quanto à sua proximidade com a atividade humana e um possível enviesamento. Mas, de acordo com a palestrante, o PL reforça a participação humana no ciclo da inteligência artificial, com supervisão efetiva. “A IA deve influenciar a atividade humana, mas nunca substituí-la”, disse.
A juíza ainda citou o normativo adotado pela União Europeia, o EU AI ACT, como referência e discutiu os desafios da automatização sem supervisão, a importância dos inputs (alimentação de dados) e a necessidade de uma nova linguagem jurídica para tratar das implicações do uso de sistemas automatizados na atividade judicial.
Roberta também destacou a importância da Sinapses, instituída pela Resolução 332, como plataforma nacional de armazenamento, treinamento supervisionado, controle de versionamento, distribuição e auditoria dos modelos de inteligência artificial, além de estabelecer os parâmetros de sua implementação e funcionamento. Segundo a juíza, a plataforma Sinapses é um exemplo de como a tecnologia pode ser utilizada de maneira eficiente na gestão de processos judiciais, respeitando os direitos fundamentais e os princípios éticos.
Ela observou que a IA tem sido aplicada em métodos alternativos de solução de conflitos e no tratamento de demandas repetitivas. No entanto, apontou as peculiaridades da Justiça do Trabalho, na qual a aplicação de precedentes é mais complexa devido à variabilidade maior dos casos, à multidisciplinaridade envolvida (como direito comercial, uso do Código de Processo Civil, questões econômicas) e ao volume de processos.
Roberta revelou que já existem 140 projetos de IA em andamento na Justiça, com um aumento de 26% de 2022 para 2023. Na JT, são 15. No entanto, ela alertou para o fato de que o processo legislativo e a formação de jurisprudência não têm acompanhado a rápida evolução do mundo dos dados, o que gera insegurança jurídica e demanda uma reflexão profunda sobre como não ficar na contramão desses avanços tecnológicos.
Renato Opice Blum, por sua vez, previu mudanças drásticas na sociedade nos próximos três ou quatro anos, com a introdução de novas tecnologias de IA, como o Chat GPT 4o da Openai, software de interação por meio de vídeo e voz. “Conversaremos com uma pessoa, mas ela não é humana”. Assim como Roberta, abordou as questões legais envolvendo o uso de IA, citando, inclusive, o inciso XXVII do art. 7º da Constituição Federal, que trata da proteção do trabalhador em face da automação.
Segundo o advogado, estudos indicam que 300 milhões de empregos no mundo podem ser automatizados. No entanto, ele destacou que as atividades mais dinâmicas e imprevisíveis, como a jurídica, tendem a ser menos impactadas por essa transformação tecnológica. Nesse contexto, prevê a área como protagonista com a ressalva de que “teremos novas relações jurídicas em um curto espaço de tempo, mas não estaremos preparados”.
O painelista fez um breve retrospecto legislativo, a partir da Lei da Robótica de 1950, culminando com a regulamentação aprovada recentemente pela União Europeia. Deu também exemplos interessantes do uso de IA na atividade jurídica e na sociedade, como o caso da escritora Dani Shapiro, que descobriu em exame de DNA seu verdadeiro pai biológico. Apresentou ainda em slide o ciclo de vida da IA, cuja gestão visa criar e manter estrutura organizacional para dirigir, orientar e supervisionar as ações, em conformidade legal, assegurando a privacidade e proteção de dados, a participação humana, ética e sustentabilidade, avaliação de riscos, entre outros.
Ao final de sua palestra, Renato enfatizou que, apesar dos avanços tecnológicos, a “alma e o espírito” são características intrínsecas ao ser humano que a IA jamais poderá substituir. “A IA não tira”, concluiu o advogado, reforçando a importância da dimensão humana na atividade jurídica.