No comando global da Qualcomm, multinacional americana de tecnologia com faturamento anual de US$ 37,3 bilhões e uma das maiores fabricantes globais de processadores, o brasileiro Cristiano Amon acelera os investimentos da companhia em inteligência artificial (IA) generativa não apenas para smartphones e notebooks.
Em entrevista ao GLOBO, o executivo detalha os planos da empresa para o segmento de games, de carros e para as indústrias. E prevê que, em cinco anos, a IA presente em todas as experiências das pessoas. Mas há desafios. “Precisamos incorporar toda essa tecnologia em um chip pequeno, de forma a aumentar o volume de funções sem elevar significativamente o custo”, afirma. “Estamos ainda bem no começo das inovações”, destacou ele.
Como a inteligência artificial generativa vai mudar a experiência dos usuários?
Quando se fala de inteligência artificial, todo mundo pensa em uma quantidade enorme de dados, nuvem, novos modelos de linguagem e que qualquer pergunta será respondida. Mas a IA está se desdobrando de várias maneiras distintas. Os modelos de IA generativa vão permitir que os dispositivos falem a linguagem dos humanos. E uma vez que isso aconteça, vai mudar a forma como você interage com esses computadores, smartphones e seus aplicativos.
Por exemplo, quando o smartphone começa a entender a sua linguagem, é possível acessar aplicativos sem abri-los, apenas com comando de voz. O computador vai conversar na sua língua, entender suas intenções e conseguir reconhecer o contexto com esse tipo de tecnologia. É uma nova experiência. A segunda coisa é como a IA vai se desenvolver de forma diferente entre a nuvem e os dispositivos como celular, notebook e carro, pois você está resolvendo coisas diferentes. Quando você faz algo no smartphone, precisa de resposta imediata e que a IA do aparelho entenda o contexto.
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E qual seria essa diferença entre o desenvolvimento da IA na nuvem e nos dispositivos?
Será tudo feito de uma forma cada vez mais personalizada e a um custo mais baixo. Vamos pegar o caso da fotografia. Se você começa a fazer edição e a criar imagens, imagina que toda vez que isso for feito terá que pagar o custo dessa computação que está na nuvem. Uma vez que a IA esteja rodando no PC ou no smartphone, você faz quantas vezes quiser e de forma mais rápida. Se você estiver utilizando IA para fazer uma pesquisa, a IA que está rodando no seu telefone sabe quem é você, onde você está e o que está fazendo.
É bem diferente de ir numa janela do ChatGPT e fazer um pergunta na nuvem. É por isso que, quando estamos falando do novo Snapdragon (a empresa lançou em outubro o processador com IA para smartphones), isso vai começar a mudar e a se desenvolver com o smartphone. O próximo passo é que os desenvolvedores de aplicativos usem essa tecnologia para criar novas experiências.
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E é uma questão de tempo. O desenvolvedor deseja que todos tenham um telefone com IA e o usuário espera o desenvolvimento de aplicativos para comprar um smartphone com IA. É o exemplo clássico do início de nova tecnologia. De um ano para cá, passamos de um ou dois casos de IA para 30 ou 40, e em breve serão cem, e depois mil. Da mesma forma que hoje assumimos que tudo é um app no smartphone, eu tenho certeza de que todas as experiências terão IA em cinco anos. Estaremos vivendo em um mundo IA enabled (habilitado por IA). A questão é como vai ser a intensidade de adoção nos próximos cinco anos. Mas hoje não há limitações técnicas. É uma questão de desenvolvedores imaginarem os aplicativos e começarem a ter escala.
O senhor disse que a IA vai entender a linguagem humana. Como será?
O aparelho será capaz de entender o contexto da sua pergunta e responder da forma como outra pessoa faria. Por exemplo, você está no site da Amazon comprando algo e fica na dúvida se tem saldo na conta bancária. Basta perguntar para o aplicativo do banco o saldo para prosseguir com a experiência. Ou, no caso das câmeras, o smartphone vê e entende o que o usuário está vendo e pode, a partir das fotos, pedir para pagar uma conta no restaurante. Esse é o futuro. Não é mais ficção científica. É uma questão dessas experiências serem desenvolvidas.
Passado o gargalo no fornecimento de chips durante a pandemia, qual é o desafio agora?
Isso está totalmente normalizado. O maior desafio atual é a necessidade crescente de capacidade de computação. Precisamos incorporar toda essa tecnologia em um chip pequeno, de modo a aumentar o volume de funções sem aumentar muito o custo e mantendo a vida útil da bateria. Esse é o nosso desafio.
E ainda há muitas soluções a serem desenvolvidas?
Estamos ainda bem no começo das inovações. No caso de videogames, há vários nos quais as crianças jogam on-line, como Roblox, Minecrat entre outros. O desenvolvedor de um desses grandes chegou para a gente e disse “Qualcomm, você tem IA na qual posso colocar um modelo de linguagem rodando no jogo que vai conseguir escutar e interpretar o que a criança está conversando com os amigos e, se alguém falar algo perigoso para a criança, será capaz de avisar aos pais”. Esse é o tipo de coisa que não existia antes. Você está reimaginando o que o computador vai fazer. No caso do RPG, você conversa com o personagem, que dá uma resposta A ou B. Esquece isso. Com o modelo de linguagem, você tem uma conversa diferente em cada jogo.
E qual é o potencial do mercado de games com IA?
O que mais cresce é o de smartphone. A capacidade de processamento dos celulares está aumentando e tem cada vez mais títulos que são on-line. E, agora, entramos no PC. Há mais de 1.200 jogos que estão sendo otimizados para nossa plataforma Snapdragon. E, inclusive, para o setor automotivo. O que temos observado em mercados com carro elétrico é que o motorista, enquanto aguarda carregar o automóvel, joga videogame. Estamos trabalhando com a Epic Games em carros.
Uma das funcionalidades de IA que a Microsoft mostrou no Copilot+ é a super-resolução. Você vai conseguir jogar um game com uma qualidade que antes você teria que ter um game desktop. Não é só o GPU (Unidade de Processamento Gráfico). Estamos vendo o interesse em fazer aparelhos móveis para games (portable game devices), pois a experiência de games está mudando, já que você começa o jogo no console, continua no telefone e termina no console.
Como será o carro do futuro?
O que ganhará escala é a direção assistida para reduzir o número de acidentes. Essa é a grande aplicação comercial e se tornará tão comum quanto o cinto de segurança. Apenas no setor automotivo, temos um pipeline (projetos em vias de ocorrer) contratado de US$ 45 bilhões, com um terço desse valor dedicado à autonomia e direção assistida, envolvendo montadoras coreanas, japonesas, americanas e chinesas. O carro totalmente autônomo ainda é um mercado pequeno, voltado a nichos como o de entregas, pois envolve questões regulatórias e de responsabilidade complexas.
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Depois dos smartphones e dos carros, qual segmento ganhará impulso pela IA?
O próximo segmento é o industrial, incluindo energia e varejo. Diferentes empresas estão passando por uma transformação devido à inteligência artificial. Isso abre muitas portas para negócios no Brasil. O mercado brasileiro não tem uma indústria de eletroeletrônicos como a da Coreia, mas no setor industrial a gente vê várias oportunidades de empresas brasileiras adotarem essas tecnologias, como no agronegócio, com soluções de conectividade e de rastreamento, oportunidades no setor de energia. O Brasil tem empresas bastante dinâmicas e com escala para isso. A diferença entre as empresas que serão competitivas e as que não serão é a capacidade de adoção de novas tecnologias.
Existem planos para ampliar os investimentos no Brasil?
Nossa operação no Brasil está crescendo, principalmente com a transição para uma aplicação industrial de internet das coisas. Os planos são ambiciosos, e a tendência é de aumentar a presença no Brasil, em número de colaboradores e em empresas envolvidas.