A Microsoft e o Google conseguem traduzir, por exemplo, do espanhol para o inglês, mas quem é capaz de entender a língua do mundo das finanças?
Para ajudar a combater o crime financeiro, empresas de software de governança querem recorrer à inteligência artificial para decifrar a linguagem esotérica dos traders, em um momento em que Wall Street e Londres mergulham cada vez mais nas mensagens carregadas de jargões, e até codificadas.
As conspirações financeiras muitas vezes se formam através de comunicações clandestinas entre profissionais da área, nas quais eles decidem, por exemplo, manipular uma taxa de juros ou aumentar o preço pelo qual uma moeda está sendo negociada.
Mesmo um leigo educado precisaria de um insider para explicar a linguagem usada no setor. Agora, as empresas de software de conformidade estão fornecendo a seus clientes ferramentas de IA que permitem que os sistemas sejam mais espertos que os traders desonestos.
A Behavox, empresa de software de conformidade com sede em Londres que vende para grandes bancos, fundos de hedge e outros, oferece ferramentas que podem lidar com a enorme quantidade de mensagens que os funcionários produzem, e procurar a agulha do crime financeiro no palheiro do trabalho diário carregado de jargões.
A equipe de conformidade pode usar a ferramenta Behavox para analisar um bate-papo entre dois traders e receber uma explicação sobre o significado de suas gírias e se eles estão potencialmente tentando fazer algo ilícito. Os modelos de linguagem que a ferramenta usa foram treinados quase da mesma forma que um aluno, sendo expostos a sites regulatórios, registros de valores mobiliários e outras fontes para levá-los além da profundidade do assunto oferecida por uma ferramenta generalista de IA, disse Chris Bauer, chefe de serviços técnicos da Behavox.
O Behavox também pode traduzir de outros idiomas para que um funcionário de conformidade que fale inglês em Nova York, por exemplo, possa monitorar um falante de japonês em Tóquio.
“Testamos isso em centenas de idiomas diferentes. Um colega de trabalho jura que está lidando com Klingon. Não tenho 100% de certeza”, disse Bauer, mencionando a linguagem alienígena do filme e da série de televisão “Jornada nas Estrelas”. “O resultado final é que conseguimos absorver diferentes traduções, não apenas literais, mas também jargões.”
Uma lista de travessuras
As particularidades dos requisitos de manutenção de registros do setor financeiro evoluíram à medida que a capacidade de capturar e armazenar certas comunicações melhorou com a inovação tecnológica. Os reguladores de Wall Street exigiram pela primeira vez a gravação de pelo menos algumas chamadas telefônicas em 1998, sob o que é conhecido como “Regra de Gravação”.
Os reguladores dos EUA agora tratam essencialmente qualquer comunicação escrita sobre negócios como um registro. Eles cobraram bilhões em multas de empresas que não controlaram os traders que usarem serviços de mensagens como o WhatsApp para falar entre si.
Até recentemente, uma maneira comum de as empresas lidarem com a enorme quantidade de e-mails que uma empresa de Wall Street produz era aplicar o que é conhecido como léxico, uma lista cada vez maior de palavras e frases que desencadeiam a revisão humana.
Um problema: qualquer frase pode ser inócua ou ilícita, dependendo muito do contexto, portanto, a abordagem do léxico pode resultar em um grande número de falsos positivos.
Os léxicos também podem produzir falsos negativos, pois os traders adaptam suas comunicações para tentar evitar palavras de gatilho. Um trader pode escrever “Ca11 m3 n0w” (me liga agora) ou recorrer a emojis para tentar evitar a detecção.
A Global Relay, outra empresa de conformidade que atende bancos e outros clientes do setor financeiro, está testando um novo sistema de IA que consegue se adaptar rapidamente a abordagens que frustrariam uma ferramenta tradicional, disse Donald McElligott, vice-presidente de supervisão de conformidade. A empresa diz que seu sistema piloto foi capaz de decifrar frases codificadas com emojis e até mesmo linguagens que usam palavras modificadas.
Os traders acreditavam que “se alguém quisesse dizer algo suspeito, eles apenas inventariam uma palavra engraçada ou a escreveriam de trás para frente, ou algo assim”, disse McElligott. “Agora, nada disso vai funcionar.”
O sistema também é capaz de decodificar metáforas nas comunicações, como um trader sugerindo que seus colegas “joguem um pouco de chum na água”, uma referência da pescaria que, em um contexto financeiro, pode aludir ao spoofing ilegal, disse McElligott.
Alguns sistemas, como os oferecidos pelo provedor de conformidade SteelEye, com sede no Reino Unido, também podem lidar automaticamente com comunicações de baixo risco, liberando a equipe de conformidade para se aprofundar em casos mais complicados. Isso pode ser um atrativo. A conformidade não é um centro de lucro e geralmente requer um grande número de funcionários focados em tarefas às vezes rotineiras, portanto, ferramentas de economia de trabalho dimensionadas para uma grande organização podem economizar muito dinheiro.
Ouvindo
Uma pesquisa com funcionários de 250 empresas financeiras divulgada no mês passado mostra que apenas cerca de um terço delas usa ferramentas de IA generativa com finalidades diversas. Mas 81% das empresas com mais de 500 funcionários disseram ter se sentido pressionadas a implementar novas ferramentas, de acordo com a pesquisa, realizada pela Smarsh, provedora de serviços de dados de comunicação.
Os aplicativos de risco e conformidade foram o segundo caso de uso prioritário mais citado, depois dos usos de produtividade, como resumir reuniões.
Os reguladores pediram uma abordagem cautelosa em relação à IA. Aqueles dos EUA e da Europa expressaram preocupação de que um sistema de IA possa ser treinado inadvertidamente a ponto de criar um viés impróprio, como racial ou de gênero.
A Finra, braço autorregulatório de Wall Street, disse no ano passado que está considerando emitir novas orientações sobre a evolução dos usos da IA nas empresas. Ele disse que a IA generativa apresenta “oportunidades promissoras” para eficiência de conformidade.
Os reguladores também exigem que as instituições sejam capazes de explicar o funcionamento dos sistemas dos quais dependem, disse Amy Jane Longo, sócia do escritório de advocacia Ropes & Gray. As empresas que os utilizam também precisam se certificar de que não estão introduzindo uma nova fonte de ameaça à segurança cibernética.
“Estou otimista e cautelosa”, disse Longo.
Os provedores de serviços que estão lançando a tecnologia dizem estar de olho na próxima fronteira.
As chamadas telefônicas são rotineiramente gravadas e retidas em Wall Street. As empresas não eram obrigadas a monitorar de forma abrangente as milhares de horas de gravações diárias que um escritório pode gerar, mas melhorias dramáticas na tecnologia de transcrição agora tornam esse escrutínio uma possibilidade.
“A transcrição de voz sempre foi muito cara e complicada, e a qualidade não era tão boa”, disse Matt Smith, executivo-chefe da SteelEye.
A SteelEye, que também fornece IA para monitorar transações financeiras, oferece um serviço de transcrição de voz que, segundo a empresa, consegue compilar com precisão muitos jargões do setor e enviar os resultados para um sistema que consegue procurar abusos de mercado.
Smith acha que os reguladores poderiam exigir a espionagem automatizada de chamadas telefônicas de funcionários.
“Conforme os reguladores forem descobrindo o que é possível agora no mercado com a tecnologia e as eficiências de custo, acredito que com o tempo seu controle pode aumentar”, disse ele. “A IA é um divisor de águas absoluto para os mercados financeiros.”
Escreva para Richard Vanderford em [email protected]
Traduzido do inglês por InvestNews
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