A Inteligência Artificial (IA) vem ganhando protagonismo no mundo do trabalho. Um tema importante, mas que ainda está em desenvolvimento nas discussões sindicais, mas que já impacta profundamente nos locais de trabalho. Por isso, o tema tem aparecido de forma recorrente nos debates da presidência brasileira do G20 e seus grupos de engajamento, tais quais L20 (Trabalho), W20 (Mulheres), C20 (sociedade civil), T20 (think tanks) Y20 (jovens), U20 (cidades), B20 (business), S20 (ciências), Startup20, P20 (parlamentos), entre outros.
O Secretário de Relações Internacionais da CUT , Antônio Lisboa, que coordenou o L20 realizado em Fortaleza, em entrevista, fala sobre os caminhos, os problemas e as soluções para o uso dessa tecnologia no cotidiano do trabalhador.
O que é necessário para se entender a relação entre a IA e o mundo do trabalho?
Lisboa: Precisamos ter claro que as tecnologias são conquistas da humanidade e, portanto, têm que ser colocadas a serviço dela. No entanto, a IA está servindo na verdade, como todas as outras tecnologias, para concentrar poder geopolítico, econômico e financeiro.
A inteligência artificial vai substituir a mão de obra?
Lisboa: Isso vai acontecer, mas a gente não sabe até onde. Mas aí surgem outras questões, que são: por quem o trabalhador será substituído? O que será feita da inteligência humana substituída pela inteligência artificial? O que será feito desse trabalhador?
Tem muita gente dizendo que ele vai para outros ramos do trabalho, para outras profissões ou para outras atividades humanas?
Lisboa: Não existe nenhuma comprovação de que todos os trabalhadores que perderão seus empregos para a IA serão transferidos para outros tipos de trabalho. Muitos trabalhadores serão absorvidos por outras atividades profissionais, mas isso exigirá políticas públicas e investimentos em educação científica e tecnologia, e mobilização e ação sindical por meio da negociação coletiva, etc.
Existe alguma ideia, alguma proposta para mitigar essa situação e deixar o uso da IA mais equilibrado entre o trabalhador e as empresas?
Lisboa: O que eu defendo, obviamente, além da formulação teórica que tem que ser feita com a ajuda das universidades, é botar essa questão na negociação coletiva. Porque o trabalhador defende uma tese com mais clareza, qualquer que seja ela, se ele souber no que essa tese influencia diretamente na vida dele. Então, volto a repetir: a inteligência artificial tem que entrar na negociação coletiva. Essa discussão não é só no Brasil, ela é internacional.
Como devem atuar os sindicatos nessas questões?
Lisboa: Como já afirmei, é importante colocar nos processos de negociação coletiva, nas pautas de reivindicação dos trabalhadores, além de construir alianças com as universidades, pesquisadores organismos internacionais, dessa forma fortalecer a luta por manutenção de trabalho dignino aos trabalhadores.
A CUT já tem alguma proposta para essa questão?
Lisboa: Setores da CUT já estão discutindo isso. Nós estamos em um processo de construção de uma estratégia de como enfrentar o assunto. E essa estratégia tem que passar por negociação coletiva, redução da jornada de trabalho, sem redução de salário, controle social e participação dos trabalhadores na elaboração e monitoramento das políticas públicas relacionadas ao tema, sempre levando em consideração a profundidade dos impactos da IA na vida humana.
As empresas estão usando a IA para analisar currículo e escolher profissionais para fazerem parte dos seus quadros de funcionários. Em alguns casos dessas seleções essa tecnologia exclui mulheres, LGBTQIA+, negros e pessoas com deficiências, por exemplo.
Lisboa: A base dos dados geradores da inteligência artificial (algorítimos) é de uma sociedade desigual. Portanto, a inteligência artificial vai continuar sendo desigual. Se você tem uma sociedade racista, muitas vezes homofóbica, muitas vezes xenofóbica, os dados -base utilizados pelos algoritmos serão, também, xenófobos, homofóbicos e racistas. E isso é uma preocupação grave. São coisas que a gente precisa discutir e eu acho que essa discussão ainda está muito no início, mas estamos caminhando para isso.
Na relação empregado e empregador quem tem mais vantagem com o uso da IA?
Lisboa: Obviamente que é o empregador. Ele tem muito mais informação do que o trabalhador.
Qual é a principal questão a ser entendida da Inteligência Artificial?
Lisboa: É saber como ela será utilizada. Ela pode ser uma conquista da humanidade, mas, ao mesmo tempo, ser colocada contra a humanidade.
Quem é que controla a inteligência artificial?
Lisboa: Ou são as grandes produtoras de inteligência artificial, especialmente as big techs, e são também os países do norte global. A inteligência artificial está sendo colocada à disposição do capital financeiro, do poder geopolítico e, consequentemente, gerando mais desigualdades sociais, regionais e economicas. O correto seria colocá-la à disposição da humanidade.
De que maneira a IA pode servir à humanidade?
Lisboa: Ela pode servir para solucionar questões que o ser humano tem mais dificuldade de resolver, ou, ainda, avançar sobre temas que a inteligência humana demora mais tempo para solucionar. Mas ainda é cedo para sabermos a dimensão real de como ela vai funcionar de fato. Além disso, segundo o neurocientista Miguel Nicolelis, a IA atualmente consome 14% da energia do planeta por conta das chamadas fazendas de servidores, além do enorme consumo de água para a refrigeração. Ora, na profunda crise climática, ambiental em que o planeta se encontra, como que vamos lidar com essa contradição?
O governo federal, recentemente, anunciou o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, com investimentos de R$ 23 bilhões e com 31 ações, sendo que uma delas é cruzar dados para oferecer emprego aos cidadãos e às cidadãs. Por quê é importante esse plano?
Lisboa: É preciso construir uma estratégia nacional, porque, daqui a pouco, o problema da Inteligência Artificial vai ser a mesma coisa da energia atômica, do conhecimento da produção de farmacêuticos, ou seja, são conhecimentos novos sempre colocados nas mãos de poucos. No entanto é importante registrar a importância da participação dos trabalhadores na elaboração e monitoramento desse plano.
Ainda tem muito o que fazer nesse campo, né?
Lisboa: Na verdade, está todo mundo meio cego nessa história, porque as informações não chegam, para quem é leigo. Chega para quem conhece, para quem está com o poder. As pessoas do cotidiano não sabem direito sobre esse assunto. Mas, pelo mundo, já existem experiências satisfatórias sobre esse nosso tema. Uma delas foi uma recente greve dos trabalhadores da indústria cinematográfica de Hollywood que garantiu a regulamentação do uso da IA na elaboração de roteiros e desenvolvimentos de vozes e imagens, dos atores.